| |

AOS DOMINGOS PELLEGRINI 5m de leitura

Cooperação: sem dúvida, a nossa maior invenção

Ralando as espigas, as mulheres enchiam bacias trazidas de suas casas, outra cooperação, e, depois que vó Tiana despejava tudo num tacho

ATUALIZAÇÃO
11 de novembro de 2022

Domingos Pellegrini
AUTOR

Imagem ilustrativa da imagem Cooperação: sem dúvida, a nossa maior invenção
 

         Em conversa sobre qual terá sido a maior das invenções, alguém diz que foi o fogo, mas digo que porém nem inventado foi, decerto apenas recolhido de algum incêndio provocado por raio. Invenção mesmo foi a fogueira para manter o fogo, com o que todos do primitivo bando decerto deviam cooperar catando lenha. 

         Outro diz que maior invenção foi a linguagem, mas lembro que ela  nasceu e vive da cooperação entre fala e escuta. E a cooperação homem/mulher pariu o casamento e a família humana, única no planeta que precisa proteger a prole durante década...

LEIA MAIS:

Onça na lembrança

         Concordam então comigo que a cooperação é nossa maior invenção, que também se vê instintiva na natureza. Por exemplo o garço, marido da garça, não só ajuda a fazer o grande ninho como fica chocando os ovos quando ela vai comer. E, entre nós humanos, basta ver que as melhores escolas públicas são as com associação de pais e mestres atuante, cooperação entre governo e cidadania.

         Então lembro das pamonhas de vó Tiana também como exemplo de cooperação. Primeiro, vô João cooperava trazendo sacos de milho-verde. Depois, ela chamava filhas e vizinhas para descascar as espigas e ralar, e os raladores eram feitos de lata toda furadinha por prego, a mostrar que todo artefato resulta da cooperação entre ferramentas, como também todo organismo é uma cooperação de órgãos.

         Ralando as espigas, as mulheres enchiam bacias trazidas de suas casas, outra cooperação, e, depois que vó Tiana despejava tudo num tacho,  umas voltavam a ralar milho, outras cortavam as palhas para empamonhar. A palavra pamonha vem do tupi-guarani “apá minoia”, que significa comida  “enrolada e cozida” - e empamonhar era despejar, com uma concha, o caldo do tacho em cada palha enrolada e dobrada formando como que um copo, que depois era fechado por outra palha, amarrando com fita também de palha – coisa só possível para quatro mãos em cooperação. 

         No fim do dia, cada mulher levava um tanto das pamonhas, outro tanto a vó deixava em casa, pra durar poucos dias naquele tempo ainda sem geladeira. Um tantão das pamonhas ela botava arrumadinhas em duas peneiras grandes cobertas por panos, bem amarrados numa peneira e na outra amarrados malemá.  Porque ela enviava as pamonhas de trem para Assis, onde morava uma filha, e as pamonhas duma peneira eram para os ferroviários, por isso mal amarrada, para enfiarem fácil a mão. Pela cooperação, eles ganhavam as pamonhas e ela ganhava a certeza da entrega no mesmo dia e de graça.

         Quando as peneiras cheia e vazia chegavam a Assis, o telegrafista da ferrovia já tinha avisado a filha, que tinha telefone, para ir buscar as pamonhas na estação.

         A peneira cheia ia com um bilhete: “Quer mais, devolve as peneiras”. E a corrente cooperativa se completava quando, algum tempo depois, um ferroviário batia palmas no portão, eram as peneiras voltando, logo depois do vô falar que o tempo de milho-verde estava pra acabar, ela não ia fazer mais pamonha?

         Sempre que ouço ou leio notícia do cooperativismo, lembro das pamonhas de vó Tiana.

Esse conteúdo é restrito para assinantes...
Faça seu login clicando aqui.
Assine clicando aqui.

PUBLICAÇÕES RELACIONADAS