Lendo descobri que dilúculo é o nascente, como crepúsculo é o poente. Então numa pousada, diante da horta e do amanhecer, falei a outro hóspede: - Que belo dilúculo, não? Ele ficou procurando na horta, até que apontou: - Ali perto das rúculas, né?

Eu estava ali para um festival literário, que me deu de brinde um caderno com caneta. Em casa, dei ao neto Caetano, ainda menino, e o neto Pietro enciumou. Procurei no escritório, achei uma agenda mas ele virou a cara, queria “igual do Caetano”. Aí, ainda com dilúculo na cabeça, lembrei de “opúsculo”, pequena obra.

- Você vai ganhar um opúsculo!

Ele parou de choramingar, perguntou o que mesmo que ia ganhar, repeti, voltou a choramingar:

- Não quero, tem pus!

Mas passou uma borboleta, apontei, foram os dois atrás dela, o caderno ficou esquecido. Fiquei pensando que assim caminha a humanidade, às vezes rodando, às vezes voando, às vezes pulando amarelinha.

Então lembrei das cantigas de roda. O cravo brigou com a rosa, debaixo duma sacada... A cantiga é de quando quase não havia sacadas, como tantas hoje em tantos edifícios. Havia sim varandas, porém aí como ficava a rima pra rosa despedaçada? Mas hoje crianças nem brincam mais nas ruas onde eram cantadas as cantigas... Porque rodas há demais, com mais de 100 milhões de veículos o Brasil tem mais rodas que pessoas, e, quanto mais rodas, menos cantigas de roda.

Por isso um amigo foi morar em condomínio fechado, feliz com as crianças brincando na rua, onde só passam devagar carros de moradores. Mas adolescente inventou de passar chispando de moto, o amigo foi reclamar com o pai, que retrucou:

- Lugar de brincar é o parquinho!

Que diria disso o escritor Mário de Andrade, que criou em São Paulo o primeiro parque infantil do Brasil? Era pras crianças brincarem, não pra exilar as crianças das ruas, mas hoje cadê ruas quietas onde crianças possam brincar?

Diz a cantiga: roda, roda, roda, pé, pé, pé, caranguejo não é peixe, caranguejo peixe é, caranguejo só é peixe na vazante da maré. Não tem lógica: ou é peixe ou não é, né? E porque vira peixe na vazante da maré? Deve ser porque cantiga infantil, se tivesse lógica, não tinha graça.

Pode-se é trocadilhar de que essas cantigas congraçam as crianças em brasilidade, com um repertório cultural que, vindo de todas as regiões do país, passa a ser de todos. A carteira de identidade diz que somos brasileiros, as cantigas de roda nos fazem brasileiros desde a infância.

E, se hoje as crianças não tem mais ruas onde brincar, tem as creches e escolinhas onde as cantigas de roda continuam. Numa escolinha vejo crianças cantando com muito gosto, decerto porém nem entendendo direito porque a barata diz que tem sete saias de filó, ou porque os escravos de Jó jogavam caxangá, ou como a galinha do vizinho bota ovos amarelinho. Então resolvo perguntar porque gostam tanto de cantar isso. Respostas:

- Porque eu gosto de cantar!

- Porque eu sou criança, né.

- Porque é bom, ué!

Bom, o mundo roda e muda, mas que não acabe com as cantigas de roda. Roda, roda, roda, pé, pé, pé...