É bom ver que, com os canais de streaming, com filmes do mundo todo, acabou a hegemonia de Hollywood, mas também é triste ver que abundam como nunca os filmes “de bandidos” e rareiam os filmes “de mocinho”.

No meio do século passado, a meninada gritava e aplaudia, até batendo com os pés em tropel, quando o Zorro se livrava de mais uma enrascada, o Cine Ouro Verde parecia tremer. Os maus eram antagonistas de protagonistas bons, bandidos contra mocinhos, o bem contra o mal. E os mocinhos tinham amigos¸ como o Tonto do Zorro, enquanto os bandidos tinham quadrilhas.

Agora, há tantos filmes só com protagonistas bandidos que dá saudade dos filmes “de mocinho”, com heróis humanos em vez de apenas musculosas máquinas de matar.

Seria meninamente ingênuo esperar apenas filmes de bons heróis com inimigos sempre derrotados, mas é chateante no catálogo o desfile de filmes bandidóides, com veneranda simpatia pelos bandidos. Protótipos disso são os muitos filmes só com bandidos de Martin Scorcese, embora seja diretor cultuado pelos críticos (ou acríticos, já que “crítica” vem do verbo grego “krinein”, selecionar).

Butch Cassidy and the Sundance Kid é protótipo de filme com protagonistas bandidos “bons”, pois roubam sem matar e são graciosamente humanos, sem a chatice plana dos maus bandidos. Os dois acabam porém punidos pela morte, entretanto semeando a fórmula dos bandidos simpáticos que tanto proliferaria. O faroste espaguete também ajudou a cultivar a visão de maus heróis, e já no tempo das videolocadoras era difícil achar filme sem violência, quadrilhagem, roubo, tráfico de drogas, assalto e espionagem aventureira (um engano sempre, já que a espionagem de verdade é invisível e silenciosa, não dá filme). Filmes sobre a CIA ou tráfico de drogas são tantos e tão mirabolantes que me levam sempre à pergunta: por que estou vendo isso?

Em Meu Ódio Será Tua Herança, de 1969, o diretor Sam Peckimpah filma em câmera lenta a morte de quatro bandidos matando outros oitenta, com sangue jorrando em lentos jatos, e vendo esse massacre a gente humanamente se enche de espanto, pesar e piedade. Nos filmes do catálogo hoje, os massacres são tantos e tão irreais, com tantos mortos, que só dão tédio e vazio.

É chato então ver que ainda usam sem pudor a velha fórmula de que todos os tiros dos bandidos nunca acertam o mocinho, enquanto todos os tiros do mocinho acertam bandidos. A irracionalidade disso casa-se com o absurdo número de mortos assim, que, se acontecesse na realidade, seria notícia mundial. Ora, é ficção, dirão, mas o sentimento que fica é o mesmo de quando, menino, eu via os mocinhos atirando tanto sem recarregar os revólveres, o sentimento de ser enganado.

Então tenho saudade dos filmes de mocinho (ou mocinha: novidade boa é ver muito mais filmes com protagonistas mulheres). Não que eu queira mais Rambo, mas que saudade de Spartacus, de Lawrence da Arabia, do xerife de Matar ou Morrer!

Brigo com o catálogo até Dalva perguntar o que tanto estou procurando, digo que não estou apenas procurando filmes humanos mas também evitando os desumanos.