Se o supermercado é templo de consumo, também é o templo que mais mudou nos últimos tempos. Seu antecessor era a venda, que vendia de utensílios a comida, de ferramentas a perfumes, as paredes tomadas por prateleiras cheias de tudo e, no teto, coisa penduradas, de lampiões e bicicletas. Rapazola, vi vendeiro ralhando com ajudante novato por pendurar marmitas ao lado de urinóis, inesquecivelmente dizendo que a boca, por onde entra a comida da marmita, não é vizinha de onde sai a comida... E de sacas abertas saíam os cereais que o próprio freguês pegava pra pesar no balcão, onde tudo era colocado em sacos de papel (quando ainda nem se falava a palavra “biodegradável”).

Foi lá no meio do século 20 que os supermercados invadiram o Brasil, depois de começar nos Estados Unidos, a civilização mais consumista e poluidora da História. Entre as vendas e os supermercados vicejaram os mercadinhos e armazéns, até começar o tempo do templo Supermercado, onde se podia realmente comprar “tudo para o lar”.

A primeira passada por um supermercado era como seria, poucas décadas depois, o primeiro passeio por shopping center. No pioneiro Supermercado Fuganti, o dono (não se usava dizer “empresário”) Mário Fuganti ia até o carro com o “cliente”(não mais “freguês”). Era no centrinho de Londrina e sem estacionamento, que passaria a ser essencial para os supermercados, onde pela primeira vez se juntariam à antiga venda a quitanda, a padaria e o açougue, era um espanto.

Hoje os supermercados tem estacionamento coberto e galerias de lojas, e alguns são tão grandes que dá cansaço só de ver. O freguês da venda tinha conta mensal em caderneta e pagava com cheque, agora o super-cliente paga sempre à vista com pix ou a prazo com cartão.

Na venda, sempre alguém te ajudava, fosse para alcançar algo ou pesar feijão. No supermercado, sumiram os empacotadores e já há caixas automáticos, em que o próprio cliente faz o serviço de registrar as compras e processar o pagamento. O desemprego decorrente, fala-se e espera-se, é compensado por empregos criados nas tecnologias.

Mas nos caixas ainda, como nos açougues dos supermercados, vê-se a essência ancestral do comércio, que é gente servindo gente com prazer, gostando que faz e tratando os clientes como gente. E trabalham nos fins de semana, o que já podia ser fonte de mau humor, mas que nada, a grande maioria continua atendendo gente gentilmente.

Com o ciático incomodando, invejei um senhor, que pensei sexagenário, em pé pralá-pracá auxiliando vários caixas. Já com as compras no carrinho, dei-lhe os parabéns por estar na ativa idoso, e ele:

- Ah, ficar em casa fazendo o que, né... E aqui sempre vejo gente, que é melhor que ficar vendo tevê.

Saí do supermercado pensando nos tantos trabalhadores essenciais que nos servem para que tudo esteja à mão o tempo todo, nas farmácias de plantão e nos postos de combustíveis, como também os eletricistas que refazem a fiação depois das tempestades e a gente nem vê. Entre tantos super-heróis nos filmes, eles são Super Gente na realidade, a quem entretanto muitas vezes esquecemos de agradecer, e é tão fácil, geralmente é só retribuir ao sorriso deles sorrindo também.