É uma foto sem qualidade porque bati eu mesmo, mas um bom fotógrafo decerto não melhoraria muito o que se vê. À direita, uma churrasqueira, à esquerda um homem deitado no chão todo coberto de lixo e, na parede, marca de fogueira.

Seria um pousio de sem-teto como tantos no centro da cidade. Mas esse é nos gramadinhos da Barragem do Igapó, onde algumas famílias colocavam mesas e faziam piquenique nos fins de semana. São duas estreitas faixas gramadas, porém não são nas margens da represa, são no pé da própria barragem, junto aos vertedouros, onde crianças podem se banhar à vista dos pais.

Mas agora aqueles pedacinhos de área pública só estão sendo usados pelo grupo de sem-teto, que assim afastaram as famílias e trouxeram para ali muito lixo – e fogueiras feitas rente à parede de uma represa histórica que, com seus três lagos, transformou todo o Sul da cidade.

O prefeito Antonio Fernandes Sobrinho enfrentou oposição para fazer o Igapó, “um lago longe da cidade”. Depois o lago foi desassoreado e suas margens cimentadas, o Parque Igapó todo se desenvolveu, mas a mãe Barragem nunca precisou de reforma e só de pequenos tratos. E assim tornou-se bela pela sua autenticidade com resistência e simplicidade, um exemplo de obra pública de baixo custo e muita serventia.

É educativo lembrar que, na construção da barragem, alguém chegou com caminhão de pedras e areia, despejou no terreno e, depois de dizer que era doação, foi-se sem nem dizer o nome. Mas agora, num exemplo de deseducação, a veterana barragem está conhecendo fogo, que só não destrói mais que os terremotos.

A costumeira incapacidade oficial de lidar com os sem-teto gerou uma tolerância que esperemos não se estenda ao patrimônio histórico. Fazer fogueira no pé da Barragem do Igapó é o mesmo que acampar no pátio do Museu Histórico, significando que nada mais deve ser respeitado.

Vêm à lembrança, por exemplo, as calçadas centrais de Porto Alegre ocupadas por milhares de sem-emprego, vendendo de tudo sobre esteiras e deixando uma estreita passarela para os passantes. No começo, eram alguns¸ depois centenas e enfim os milhares que tiveram de ser desalojados numa batalha urbana que durou dias, quando foi preciso decidir entre restaurar a ordem ou abdicar da autoridade. (Aliás, pertinho da Represa do Igapó há um posto da Guarda Municipal, criada para inclusive defender o patrimônio público.)

Em vários pontos do País já se evidenciou que a desordem costumeira, aceita por complacência das autoridades e indiferença da sociedade, só tende a piorar e se tornar grande problema para as cidades e a sociedade, como os crack-acampamentos no centro de São Paulo. A visão de que tudo deve ser tolerado dos pobres, sejam pobres de vida ou de espírito, porque seriam vítimas do sistema, é tão perniciosa para a democracia como tolerar abusos e crimes dos ricos porque são vitoriosos.

Tomara que, não por eliminação mas por inclusão, cheguemos a um mundo sem-sem: sem sem-terra, sem sem-teto, sem sem-emprego, sem sem-escola, e também, se isso for possível para a natureza humana, sem sem-vergonha.

* A opinião do colunista não reflete, necessariamente, a da Folha de Londrina.