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A DOBRA 5m de leitura

Um pequeno ensaio sobre uma canção do The Kinks

É outono e a distância entre Londrina e Londres se percorre na velocidade dos afetos

ATUALIZAÇÃO
04 de maio de 2023

Silvio Demétrio
AUTOR

Imagem ilustrativa da imagem Um pequeno ensaio sobre uma canção do The Kinks

Foi exatamente num dia 5 de maio há cinquenta e seis anos que o grupo The Kinks lançou em compacto a canção Waterloo Sunset (https://www.youtube.com/watch?v=E7r3agfwB90), que mais tarde (2021) a revista Roling Stone viria a colocar na 14ª posição de seu ranking sobre as 500 canções mais importantes de todos os tempos.

Dias 5 de maio são comuns e acontecem de tempos em tempos, regularmente, mas esse 5 de maio em especial foi diferente. Ficou imune ao tempo e sua maldição que obriga tudo a desaparecer. O sol se põe indefinidamente para sempre dentro da letra e da melodia da canção.

Ray Daves e o The Kinks
 

Composta por Ray Daves, Waterloo Sunset era na verdade para se chamar Liverpool Sunset, mas como os Beatles tinham acabado de lançar Penny Lane, o autor achou melhor trocar a referência para Londres e seus piers às margens do rio Tâmisa onde fica a ponte de Waterloo.

Lançada em 1967 em compacto, a canção viria a ser incluída no álbum Something Else no ano seguinte. A faixa levou 10 horas de estúdio para ser gravada. Daves queria conseguir timbres especiais para a gravação e acabou usando delays (efeito que simula eco) feitos com um gravador de rolo. O resultado soou de forma especial porque essa era uma técnica que desde os anos 50 não vinha sendo usada e com os arranjos complexos da canção Daves conseguiu criar a atmosfera única que a música incorporou.

No contexto da crítica de rock britânica, Waterloo Sunset foi considerada como uma das músicas mais lindas de todos os tempos. Algo como um réquiem para a swinging London – nome que a cidade recebe durante algum tempo na década de 60 em função da “agitação” cultural que lhe era característica.

Mas a música de Daves é muito mais do que apenas isto. O riff que abre a canção com uma escala descendente marca um efeito cinestésico de mimese do sol que se coloca no poente também de forma descendente.

Como estamos em Londrina a comparação com a música de Arrigo Barnabé e imortalizada pela voz de Tetê Espíndola (https://www.youtube.com/watch?v=OHOX8oUva6c) é compulsória. Aqui também o pôr do sol é um momento mágico. Imagine o céu que se esparrama acima de nossas cabeças ali na Avenida Paraná entre a Hugo Cabral e a Avenida Higienópolis. Todo final de tarde o céu ali é um espetáculo a parte.

A cena que Daves descreve na letra de sua canção é emoldurada por um por do sol assim e retrata um casal passeando pela ponte de Waterloo no final de um dia qualquer. O narrador observa a cena e descreve sua solidão, mas não em tom de lamúria, como no verso “and I don’t, need no friends” (e eu não preciso de amigos) – uma tomada de consciência de sua condição de isolamento mas ao mesmo tempo a percepção que a beleza do momento redime tudo.

Estar sozinho é um fato fundamental da condição trágica do indivíduo que só pode ser transcendida pela arte: “As long as I gaze on, Waterloo sunset, I’m in Paradise” (contanto que eu contemple o por do sol em Waterloo eu estou no paraíso).

A canção dos Kinks foi regravada por muita gente e com releituras muito diferentes. Uma delas é a que o grupo Cornershop divulgou pelo You Tube (https://www.youtube.com/watch?v=pHQeq0rQwx8).

Com uma cítara indiana dobrando o riff de abertura da canção a banda conseguiu ao mesmo tempo ser fiel à sonoridade original da gravação dos Kinks e ao mesmo tempo imprimir sua marca de singularidade em sua versão.

O australiano Collin Hay (ex Men At Work) também gravou uma versão assim como a revelação durante os difíceis tempo de pandemia, Marie Naffah, que imprime à música uma textura particular com sua voz rouca e de timbre único.

Os londrinenses precisam voltar a olhar para o céu. Tudo bem que a origem do nome vai no sentido contrário. Londrina vem de Londres que vem do gaélico “Lundum”, que significa literalmente poça de água escura. O nome da cidade de Lyon na França também vem dessa mesma origem celta. Por que olhar para a poça escura se podemos olhar para o céu. E aqui não é um céu qualquer.

LEIA TAMBÉM: https://www.folhadelondrina.com.br/folha-2/aos-70-lulu-santos-descobre-seu-vozeirao-3231709e.html?d=1

O paraíso fica no cruzamento da nossa cabeça e coração com o mundo que está todo aqui e agora. Não se esqueça que amanhã tem Banda Patife de graça nos 70 anos do Ouro Verde – é só pegar o ingresso na bilheteria do teatro uma hora antes do espetáculo. Vamos cuidar da alma moderna da nossa cidade que é capital do por do sol.

 

Silvio Demétrio é professor do curso de jornalismo da Universidade Estadual de Londrina

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