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O CINÉFILO FIEL 5m de leitura

Ah, essa velha paixão comunista...

Inspirado em caso real, 'A Espiã Vermelha' está construído a partir da prisão de uma vovó

ATUALIZAÇÃO
23 de maio de 2019

Carlos Eduardo Lourenço Jorge
AUTOR

Um filme de espionagem dos velhos tempos. De estrutura clássica. Acadêmico. Talvez previsível. Mas a que se assiste sem maiores problemas, não incomoda e contém boas interpretações.

O jornalista e escritor australiano Phillip Kinghtley, perito na matéria, dizia que o cinema de espiões sempre teve um conteúdo de propaganda, embora fosse concebido como entretenimento inocente. Mas o que pensar quando esses espiões, longe daquela imagem forjada em taças de Martinis agitados e não mexidos, e deslumbrantes cenas de ação, podem ser seus próprios vizinhos, gente como a gente?

Inspirado em caso real, “A Espiã Vermelha” - em exibição na cidade - está construído a partir da prisão da idosa vovó Joan Stanley (na vida real Melita Norwood, uma bibliotecária aposentada), em 2000, e no interrogatório por agentes do M15 que a acusam de espionagem: durante 40 anos,a partir do final da década de 1938, e até o término da Segunda Guerra Mundial, ela teria fornecido segredos do programa nuclear britânico aos russos. A história avança em flashbacks, nos quais estão intercaladas as passagens juvenis da personagem Joan (Shophie Cookson) ao tempo em que ela, ingênua, motivada por ideais e por um arroubo passional, se dedica ao estudo de Física e frequenta círculos comunistas em Cambridge.

Ali conhece jovens apaixonados que querem mudar o mundo, como Leo (Tom Hughes), o homem que ama, e Sonya, ambos exilados comunistas de origem judia.

'A Espiã Vermelha": duas atrizes interpretam a personagem principal em fases diferentes da vida
 

Na verdade, o roteiro coloca para o espectador a encruzilhada onde se meteu Joan: mesmo acreditando no diálogo, ela sente que o mundo pós-Hiroshima está à beira da destruição total, e que somente o equilíbrio do poderio nuclear pode forçar alguma espécie de paz. Mergulhada neste raciocínio, ela age com eficiência, e sempre acima de qualquer suspeita se torna a espiã britânica que mais tempo esteve a serviço da KGB.

Mas aqui há um importante porém. Em boa medida, “A Espiã Vermelha” é filme sobre os perigos de subestimar as mulheres, e se esforça por deixar claro que Joan foi vítima do paternalismo da condescendência e do desprezo masculino em ambas as épocas de sua vida. Seduzida primeiro pelo espião que a recruta e depois por seu chefe, ela é uma mulher que permanece à mercê dos homens. E por mais que o roteiro insista de maneira nada sutil em nos lembrar de seu brilhantismo científico, ao mesmo tempo a retrata como um indefeso peão no feroz tabuleiro de xadrez.

O filme tem uma boa arrancada e eficaz narrativa em dois tempos. E desenvolve dilemas morais irresolvíveis, os quais tenta iluminar com ideias. Como as implicações familiares e as discriminações sofridas pela mulher na sociedade de quase um século atrás. Pena que o diretor Trevor Nunn, prestigioso diretor teatral de formação shakespeariana mas com raquítica carreira no cinema, se deixe levar mais pelo elemento romântico, pelo convencionalismo do conjunto e pela servidão à excessiva correção politica exibida em todos os níveis. É um filme que se presumia melhor do que é em realidade: intrigante e com bom pulso, mas sem nunca apaixonar o espectador, que sente falta de maior densidade psicológica e tensão dramática.

Muito boa a Joan mais jovem, Sophie Cookson, uma revelação. E Judi Dench fazendo bem aquilo que sabe, embora esteja fora de cena por longos períodos.

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