Imagem ilustrativa da imagem A química do imponderável
| Foto: Divulgação

O cinema sempre cultivou irresistível atração pelo personagem de Marie Curie. Muitos filmes, longas e curtas metragens de ficção e documentários. Plenamente justificável, o interesse sobre ela, cientista e mulher.

A mais recente incursão é esta oferecida por Netflix, “Radioactive”, peculiar cinebiografia assinada por Marjane Satrapi, iraniana radicada e trabalhando na França, uma intelectual que abriu as portas para a fama no Festival de Cannes.

Sua estreia cinematográfica mundial aconteceu com a direção do longa de animação “Persepolis”, baseado em sua graphic novel (subgênero literário que combina argumentos adultos e história em quadrinhos) autobiográfica homônima publicada em 2000. Sete anos depois, o filme saiu do festival francês com o Premio do Júri.

Em 2019, Marjane Satrapi voltou a se encontrar com este mundo literário que adquire cada vez mais extensão e importância. Ao dirigir a adaptação de Jack Thorne para a graphic novel "Radioactive: Marie & Pierre Curie, A Tale of Love and Fallout", da americana Lauren Redniss, a cineasta franco-iraniana reencontrou o espírito combativo que a fez produzir “Persepolis” – a narrativa de sua infância e juventude como mulher padecendo no Irã fundamentalista islâmico.

O tema de “Radioativo” é um dos episódios mais famosos da ciência moderna: a descoberta do rádio e da radioatividade pelo casal Curie, e o choque que esta descoberta causou na ciência e na sociedade. A perspectiva do filme é feminista, como “Persepolis”, por isso trata principalmente da vida da físico-química polonesa Maria Salomea Sklodowska , uma vida bem independente de seu marido Pierre, a vida de uma mulher um tanto egocêntrica, um tanto arrogante, mas um gênio científico consumado. Que soube desde sempre que as boas causas poderiam gerar maus efeitos.

O filme tem início na Paris de 1934, lugar e ano da morte da personagem. E ao longo de seus 109 minutos conduz o espectador através de uma estrutura narrativa com constantes saltos temporais (flashbacks e flashforwards se alternam e convivem sem sobressaltos) e alguns interessantes alardes visuais. Este procedimento pouco usual funciona como neutralizador da burocracia, dos lugares comuns dos filmes biográficos.


E a diretora não faz cerimônia ao colocar ênfase na luta de Madame Curie contra um sistema conservador, machista, sexista e patriarcal que se esmerou em hostilizá-la e marginalizá-la em decorrência de sua vida pessoal. Ganha também destaque a relação profissional e afetiva com Pierre Currie (Sam Riley) e com as filhas (Irene, aos 18 anos, é interpretada na parte final do filme por Anya (Gambito) Taylor-Joy.

A marca feminista (e Madame Curie como ícone) é um dos eixos principais da história. Pioneira no campo da radioatividade (a ponto de morrer de aplasia aplásica, causada por radiação ionizante), Madame Curie foi fundamental em vários avanços da Medicina; mas também, apesar de si mesma, na corrida nuclear. Justificam-se aí as liberdades que o filme toma para viajar ao futuro e narrar o ataque a Hiroshima e a catástrofe provocada pelo acidente na usina ucraniana de Chernobyl.

O filme de Sartrapi carrega em sua estrutura dois elementos que enobrecem a designação “biográfico”. Um é a naturalidade com a qual a cineasta harmoniza a narração clássica, didática, com uma linguagem moderna e inovadora – por exemplo, para falar das causas e efeitos de suas descobertas. E outra é a presença de uma atriz como Rosamund Pike, capaz de transmitir toda a riqueza rebelde e a tenacidade profissional sem outras armas se não a expressão em seu rosto sereno.

Por outro lado, “Radioactive” carrega um conteúdo (aliás dois: a vida privada também está incluída) polêmico e essencial que deve ser compreendido por mentes abertas neste tempo de antolhos negacionistas: uma descoberta científica tem o fio da navalha cortando dos dois lados, servindo ao mesmo propósito. Curar um câncer ou construir uma arma nuclear. Não é um filme que poderia ganhar um Nobel de cinema, se o prêmio existisse; mas justifica plenamente os dois dados a Madame Curie.

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