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O CINÉFILO FIEL 5m de leitura

A difícil arte de filmar bons livros (I)

No cinema, emoções e ações devem ser mostradas, e não explicitadas ao espectador através dos diálogos

ATUALIZAÇÃO
02 de abril de 2020

Carlos Eduardo Lourenço Jorge
AUTOR

Num dia qualquer de fúria em sua vida – e não foram poucos –, Ernest Hemingway (1899-1961) disse que a melhor maneira para um escritor lidar com Hollywood era marcar um encontro com produtores na divisa da Califórnia. “Você joga seu livro neles, eles jogam o dinheiro deles em você. Então você entra em seu carro e dirige como um louco pela estrada de onde você veio.” A recomendação (nada técnica) para seus colegas tentados pelos dólares teve origem na desilusão de ver livros preciosos como “Adeus às Armas”, “Por Quem os Sinos Dobram” e “O Velho e o Mar”, entre outros de sua autoria, despojados de seu espirito original, mastigados e cuspidos de qualquer maneira pela engrenagem da fábrica industrial de cinema made in USA empenhada em triturar a melhor literatura.

Ernest Hemingway: “Você joga seu livro neles, eles jogam o dinheiro deles em você”
 

Claro que já transcorreu um bom tempo desde aquela advertência. Hoje, poucos novelistas parecem ter a capacidade de resistir ao encanto de ver suas palavras convertidas em imagens. Mesmo que os resultados nem sempre sejam os esperados. E isto porque as tentativas para uma versão audiovisual de qualquer criação literária está sempre diante de uma encruzilhada: respeitá-la rigorosamente ou modificá-la. Vamos ao óbvio. De um lado temos a literatura, a arte da palavra escrita. Escrever uma novela permite a seu autor ser descritivo, introspectivo, eloquente e muito mais livre, do ponto de vista da criatividade (o único lugar onde as ideias do autor serão reproduzidas é a imaginação do leitor) ou da extensão (os livros não devem ser lidos de uma só vez).

Por outro lado, o cinema é uma arte audiovisual que se beneficia das possibilidades emocionais, expressivas e estilísticas oferecidas pela imagem, sons, música (instrumental ou não) e, é claro, a palavra. No entanto, emoções e ações devem ser mostradas, e não explicitadas ao espectador através dos diálogos. Por isso, o cinema é acima de tudo uma arte visual.

Cinema e literatura são artes diferentes e, ainda assim, estão intrinsecamente relacionadas. Se você lê um livro e gosta dele, a ideia de um filme com certeza passa pela sua cabeça. Não se pode culpar diretores e executivos de cinema por querer adaptar materiais já publicados, e com sucesso de público – leia-se best-sellers. A eficácia do texto já está comprovada e já tem um público potencial por antecipação. No caso de sagas literárias, as vantagens são ainda maiores: você compra os direitos, faz um filme e, se não funcionar (“Eragon”. “A Bússola de Ouro” ), a perda é relativa. Obviamente, em caso de sucesso, as contas bancárias estarão recheadas por muitos anos (”Harry Potter”, “Jogo Vorazes”. Com os direitos adquiridos, resta a parte mais difícil: transformar um romance num bom filme.

Mas isto é conversa para breve . Muito breve...

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