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Marco Rossi - A Cidade Futura 5m de leitura

No cotidiano, a aporofobia aparece com suas singularidades

Marco Rossi escreve sobre as relações de hostilidades que vários grupo sociais têm com os pobres. sobretudo no meio urbano

ATUALIZAÇÃO
08 de fevereiro de 2022

Marco A. Rossi
AUTOR

Imagem ilustrativa da imagem No cotidiano, a aporofobia aparece com suas singularidades

Ficou conhecida a imagem do Padre Júlio Lancellotti quebrando a marretadas pedras que impediam o acesso de moradores de rua à parte inferior de um viaduto, na cidade de São Paulo. A imagem correu o Brasil e, é claro, dividiu a população.

A ocasião fez surgir entre nós a expressão “aporofobia”, que, de origem grega - “à-poros” (pobres), mais “fobos” (medo) -, significa ódio ou aversão aos pobres. A palavra não é nova. Foi utilizada, na década de 1990, pela filósofa espanhola Adela Canto, para designar as hostilidades múltiplas que indivíduos, grupos e sociedades dirigem aos mais pobres.

A questão, aliás, passa exatamente pelo reconhecimento dessas hostilidades. Ninguém admite sentir “aporofobia”, assim como nenhum ser se declara machista ou racista a céu aberto. É na arquitetura das cidades, nas políticas públicas e no comportamento cotidiano que a “aporofobia” aparece com todas as suas singularidades.

As cidades são tomadas por grades, lanças e muros. A ideia é afastar o outro, esse enigma que alimenta o medo que temos de nós mesmos. Por toda a parte, há indícios de “aporofobia”, seja em pequenas muretas com cacos de vidro, seja em enormes muros eletrificados. O pobre, enfim, fica impedido de se locomover e busca alento longe dessas armadilhas. A aversão se revela no desejo de não dividir espaços com aqueles que não são como nós. Assim como nas redes sociais, vivemos a vida real em bolhas, buscando reafirmar nossas opiniões e também nosso pobre apreço estético da vida.

A “aporofobia” se revela também nas controversas campanhas que pedem para que não se dê esmola aos moradores de rua ou aos pedintes nas esquinas. Passa-se a impressão de que a pobreza é responsabilidade dos outros, esses que, no plural, apontam para ninguém. Ao mesmo tempo que o poder público promete encaminhar os pobres para as secretarias de ação social, crescem as denúncias de prefeitos que lotam ônibus com moradores de rua e os despejam em cidades vizinhas. Nesses casos, a “aporofobia” é muito mais do que preconceito; é ódio e nojo explícitos.

Padre Júlio Lancellotti diz que é preciso transformar a hostilidade em hospitalidade. Em vez de segregar, como já faz a geografia das grandes cidades, acolher; no lugar de evitar ou virar as costas, abraçar e deixar-se tomar pelo amor da irmandade. Pode parecer mero discurso de sacerdote em busca de fiéis, mas, no caso de Padre Júlio, é tão somente a revelação de uma vida honestamente dedicada aos subalternos.

A “aporofobia” não poupa ninguém. O desejo de viver “em paz”, longe de gente que traga problemas ou aborrecimentos é um dado de nossa formação cultural. Lançar os diferentes e indesejados à fogueira é algo que está por trás de atitudes formativas de nossa consciência, como, por exemplo, negar um bom debate sobre as origens de nossa miséria social. Se enfrentássemos a esfinge que nos interpela, saberíamos que estamos sendo devorados.

E assim seguimos em frente, alheios, atordoados, disseminando, sem perceber, a “aporofobia” - e fazendo um país cada vez mais difícil e inviável.

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A opinião do colunista não reflete, necessariamente, a da Folha de Londrina.

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