Dias atrás, numa conversa casual entre amigos, eu falava do paradoxo que é o fato de os animais de estimação humanizarem nossas vidas. Os “pets” que adotamos têm o poder de nos fazer valorizar afetos e dedicar tempo a seres que não são inanimados. Numa época de vidas desperdiçadas, não é pouco prestar atenção a um ser vivo que depende de nossos cuidados e deposita em nós confiança absoluta. Na contramão, está a experiência automatizada e insensível da contemporaneidade.

Ocorre, eu dizia no decorrer do bate-papo, que o amor que pode nos reaproximar da humanidade também tem potencial para barbarizar de vez nossos corpos e espíritos. Ao tratar os bichos como seres humanos, retiramos deles sua própria condição e abdicamos da chance de extrair dessa interação amadurecimento e ternura. É comum que, à medida que cresce a paixão pelos animais, decresce a consideração pelas pessoas. É emblemática a confissão “humana” de que há preferência pelos bichos, nunca pelas várias gentes.

Acompanhados dos animais, nossos sentidos veem com alegria os bibelôs eletrônicos que sequestram energia e concentração. Passamos intermináveis horas mexendo nos celulares, respondendo mensagens inúteis, curtindo fotos bestas, publicando piadas de gosto duvidoso. Além disso, centramos esforços na propagação de mentiras e ranços. As únicas palavras que trocamos – quando muito! – são aquelas que oferecemos a nós mesmos, supostamente dizendo com nossa própria voz as supostas palavras que os animaizinhos que nos toleram diriam. Criamos, assim, uma impressionante solidão a dois.

Seria formidável um mundo em que soubéssemos respeitar os animais e as pessoas, dando preferência aos nossos irmãos de gênero. Acredito que a devoção que os bichos nutrem por nós seja reflexo da clara compreensão que eles têm de que necessitamos de ajuda. Iludidos, pensamos que eles não seriam nada sem nós. A verdade, entretanto, se desnuda pelo avesso.

Li tempos atrás que os cachorros vivem pouco porque não precisam do tanto de tempo que desperdiçamos para aprender a amar. Eles já nasceriam sabendo. Nós, de modo quase generalizado, morremos sem jamais desconfiar do que seja amar ao próximo.

Cães, gatos, coelhos e peixes ornamentais não votariam em fascistas, não adotariam o neoliberalismo como sentido de vida, não destruiriam o meio ambiente, não fabricariam pesticidas nem armas de fogo. Penso, honestamente, que, se dominassem o mundo, os bichos não humanos construiriam uma realidade para todos, para dividir a boa comida, correr livremente pelas praças, festejar a vida na praia, sob o sol, num eterno

movimento de gratidão por estarem vivos, fortes, em companhia de quem mente quando lhes diz saber o que é o amor.

Projetamos no outro (e nos animais, principalmente) a frustração de ter de partilhar o mundo com nossos semelhantes. O que odiamos em nossos irmãos é o que, decerto, negamos que esteja dentro de nós. Somos um país racista, misógino e violento, mas não há quem admita ser racista, misógino ou violento. Por não saber me autocriticar, recolho-me num falso amor. A sorte é que os animais sabem amar, e alguns de nós, na

marra, aprendemos um pouco com eles mesmo sem querer.

* A opinião do colunista não reflete, necessariamente, a da Folha de Londrina.