Mudei-me há um mês. Continuo achando a aventura de empacotar tudo que temos e levar para outro lugar uma enorme chateação. Coisas se quebram, outras tantas perdem sentido e vão para o lixo. O lado bom é que nos damos conta das tralhas que acumulamos e do quanto elas são inúteis para produzir felicidade genuína. Existe também um segundo aspecto positivo nas mudanças de endereço: encaramos, sem dó, o que temos sido, o que ainda sonhamos ser, nossos princípios e convicções. Sair ileso dessa experiência é impossível.

Sigo acreditando em Walter Benjamin: só vale a pena lançar mão de nossas memórias pessoais quando elas refletem experiências coletivas e geracionais; quando permitem que diferentes trajetórias se encontrem e se percebam parte de um mesmo enredo humano. Recordo com tristeza um antigo cronista de jornal, em Londrina, que fazia de seu espaço privilegiado um verdadeiro diário íntimo, repleto de miudezas sem valor e preconceitos descabidos. Causa-me horror admitir que seus textos vazios e movidos a mal-estar tinham fãs ardorosos, um estranho séquito de gente que nada via um palmo à frente do nariz. O rapaz era como a ironia contida no refrão imortalizado por Gal Costa: “tudo é divino maravilhoso”.

Assim como mudanças abandonam paredes e pessoas, o tempo também faz seus inevitáveis registros. Uns alçam voos, outros desaparecem. O fato, contudo, é que somos para o que nascemos. Benjamin traduz essas passagens no complexo conceito de experiência, que nos marca e define. A quase totalidade do que vivemos se articula em torno do imprevisto e até do indesejado. A maneira de lidar com isso é que nos torna melhores ou piores.

Nos dias que se seguiram à vida no novo lar, vi-me obrigado a comprar coisas, contratar serviços, transferir e adaptar muito do que já existia. A regra geral foi aborrecimento e perplexidade. Produtos que não chegavam, contratos errados, valores criminosos, gente incompetente. Refiro-me ao conjunto desses episódios como “a vingança do capitalismo”. Talvez por eu tanto combater o mundo do capital, ele resolveu se voltar contra mim. Empresas com nome de rios caudalosos e prestadoras que se dizem claras – apesar de evidenciarem só treva – maltrataram minha paciência e se mostraram horrorosas. Deixo aqui uma dica “benjaminiana”: comprem na loja da esquina, valorizem o pequeno negócio, privilegiem artesanato, agroecologia, livreiros de rua, fabricantes de sonhos.

Fujam dos 0800 e declarem-se ausentes a mensagens instantâneas, protocolos e promessas de alteração de status em 48 horas. Quem acredita na retidão capitalista tende a morrer esperando, sofrer sorrindo, acreditar em “produtores de conteúdo digital”, seguir empreendedores éticos (risos?) e discurso de “atendimento de excelência ao cliente”. Como dizem os estadunidenses: “bullshit”.

Após a mudança decidi destacar hábitos frugais, cuidar da saúde do corpo e da mente. Vou ler mais e comprar menos; vou ver mais filmes e procurar menos sarna para me coçar. Irei caminhar pela cidade para que minhas crônicas não desapareçam.

* A opinião do colunista não reflete, necesariamente, a ada Folha de Londrina.