Considero 15 de novembro uma grande efeméride. Apesar de os tempos apresentarem claros sinais de fadiga histórica, com o crescimento de malucos em defesa da monarquia e do Brasil pré-abolicionista, a ideia de república faz mais sentido do que nunca. Uma sociedade republicana ainda é aquela em que a política se faz na esfera pública, por todos, em nome de um princípio que seja universalista, casado com aspirações preferencialmente democráticas.

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A glória eterna é tricolor

Cabe na vida republicana a diversidade das formas de vida. O Brasil, nesse sentido, é preto e branco, masculino, feminino e multigênero; é também ancestral e pós-moderno, tradicional e contemporâneo. Nos últimos 134 anos, constrói-se em terras brasileiras uma nação ao mesmo tempo cosmopolita e provinciana, voltada para o futuro e presa ao passado, capaz de sorrir e chorar diante do seu processo de formação sociocultural tão tenso, desigual e violento. Este não é o país da harmonia ou um lugar onde o sol brilha para todos. Negar isso é constranger a república que precisamos nos tornar.

Paira sobre nós uma colonização inconclusa. O orgulho que dizemos sentir de nossa identidade é mais um panfleto publicitário do que um inventário crítico de nossa trajetória como país. Juramos uma bandeira positivista, idolatramos heróis sanguinários de guerra, batizamos ruas e praças com nome de ditadores militares ou farsescos. Dizemos amar uma floresta que destruímos com a indiferença, declaramos torcer por clubes nacionais comprando camisas de times europeus, ouvimos músicas em inglês sem nada entender e tendo por aqui o tesouro de Gil, Caetano, Nara, Rita, Raul, Chico e Zé. Vemos só nos outros aquilo que sonhamos ser.

Como sociólogo, por exemplo, observo com pesar a pouca atenção que meus pares conferem aos autores brasileiros e, no limite, latino-americanos. Como diagnosticou Alberto Guerreiro Ramos, um intelectual quase renegado, nossa forma de interpretar o mundo é enlatada. Importamos modelos explicativos alheios à nossa realidade para explicar temas da... nossa realidade. Traduzimos conceitos distantes para falar daquilo que está próximo, aprofundando o abismo do não saber e tornando tudo cada vez mais desinteressante. É claro que não falo de todo o mundo; existem cientistas sociais formidáveis no Brasil – e em Londrina! Mas tenho clareza de que falo de muita, muita gente (principalmente dos arrogantes e pernósticos, os arautos do pensamento enlatado).

Uma república empenhada em se descolonizar tem de olhar para dentro de si mesma, reconhecer os labirintos onde se perdeu e admitir que desperdiçou oportunidades de virar

o jogo em inúmeros momentos de sua história. Republicanizar-se é também reconhecer no outro um parceiro de jornadas, com altivez, serenidade e, principalmente, amor ao mundo.

Desafios não faltam, do meio ambiente à educação pública, da vida nas cidades à saúde coletiva e preventiva. Afinal, que república ainda dá tempo de fundar no Brasil? Entre as infinitas opções, rogo apenas que não esqueçamos o espírito democrático e humano. O resto é livre.

* A opinião do colunista não reflete, necessariamente, a da Folha de Londrina.