Aprecio dezembro desde sempre. O anúncio de chegada das festas de fim de ano me anima a alma. Observar as luzes que se multiplicam pelas ruas da cidade renova a crença em dias melhores. Ingênua e incorrigivelmente, sou otimista. Mesmo quando tudo parece ir de mal a pior, seguro a onda, respiro fundo e penso em voz alta que no fim tudo dará certo. Sou assim. Paciência.

O amor à poesia requer um tanto desse, digamos, otimismo metodológico. Acredito que mesmo os poetas da dor e do sofrimento redigem seus versos movidos pela expectativa de que serão lidos, compreendidos, aceitos pelos leitores. A criação de sintonias é um efeito prático da esperança em movimento. Qualquer que seja nossa fé no futuro, ela é signatária de um juízo poético. Sem poesia não há amanhã que chegue.

Me vem à cabeça a poesia de Sérgio Vaz. Seu mais recente livro, “Flores da Batalha” (2023), editado pela Global, reúne a cosmovisão daqueles que percebem o mundo às margens, resistindo, combatendo o bom combate. Entre o lirismo de quem sabe o verdadeiro sentido do amor e o vigor daquele que cresceu lutando contra todo tipo de opressão e exclusão, Vaz mergulha num Brasil onde há cores desconhecidas (ou ignoradas?) e protagonistas muito diferentes dos “cidadãos de bem” que empunham armas de fogo e destilam preconceitos infindáveis.

No “corre” de Sérgio Vaz, iluminados por versos repletos de vida e esperança, os poemas denunciam abusos e indicam saídas humanas, pluralistas, típicas da sabedoria que contêm as fronteiras, aquelas zonas de esquecimento e guerra que representam a maior parte das metrópoles latino-americanas. As palavras de Vaz se universalizam à medida que abrigam as vozes terceiro-mundanas, desgarradas, valentes. Mesmo em rimas que confessam a derrota, Vaz se mantém de pé: no momento final de cada batalha, sua arte poética, surrada pela história, negada pelos poderosos, permanece chamando o adversário para a briga. Sua poesia, portanto – como cabe a toda grande arte –, é invencível.

Um momento de Vaz: “Liberdade é ir e saber voltar”. Um desses ensinamentos que só a poesia pode oferecer. Vivemos num mundo que estimula o percurso da ida, que enfatiza a imensidão do risco, que aposta na quebradeira geral para a sorte de alguns poucos. Diante dessa diatribe, generoso é desenhar o caminho da volta, conhecer as oportunidades do retorno, ter a humildade de recomeçar e refazer trajetos. É evidente que “coachs” (argh!) não falam dessas coisas, ou “paradas”.

Outra: “Num país onde quase ninguém lê, escrever é um sacerdócio”. Pesquisa recente expõe que quase 90 por cento dos brasileiros não compra livro, e que o público leitor é da “classe C”. Novidade? Nenhuma! Burguês odeia livros tanto quanto abomina gente humana. Sua parte é só em dinheiro, com a burrice que só a busca desenfreada pelo vil metal pode proporcionar.

Sergio Vaz conclama à leitura do mundo através das palavras, e elege a poesia como a mais sublime arte da escrita e da mudança social. No “corre” de fim de ano, as luzes de Natal trazem alento aos sonhadores, esses poetas incansáveis. Nada como o privilégio de cada instante.