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A CIDADE FUTURA 5m de leitura

Cultura, de início a fim

ATUALIZAÇÃO
25 de agosto de 2020

Marco Rossi
AUTOR

Desde criança leio jornais em casa. Meu avô materno e, depois, meus pais assinavam os jornalões da capital paulista, onde nasci e cresci. Os suplementos infantis fizeram minha cabeça com quadrinhos, passatempos e dicas de como organizar a bagunça do quarto e da mochila escolar. Preciso admitir que, num país de absurdos contrastes, a leitura precoce foi, ao mesmo tempo, um privilégio e um divisor de águas na minha vida.

Caminhando para a existência adulta, naquele súbito intervalo da adolescência, interessavam-me os cadernos de cultura e os suplementos literários. Lembro-me com emoção indisfarçável dos textos de João Ubaldo Ribeiro, Caio Fernando Abreu e Moacyr Scliar. Ainda hoje me vejo eufórico ao visitar, semanalmente, as colunas de Luis Fernando Veríssimo e José Eduardo Agualusa. Graças a todos esses gênios da palavra escrita, aprendi a amar os livros e a me dedicar ao mundo das ideias, apaixonadamente.

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Há também as descobertas tardias, mas nem por isso menos impactantes. Colunas, crônicas e ensaios de Leandro Konder, presentes nos jornais cariocas desde a década de 1980, deslocaram o sentido de minha profissão de sociólogo e me renovaram ideologicamente. Além do estilo único e da enorme reflexividade, os textos de Konder carregavam empatia, beleza e um profundo respeito pelos leitores. A ele, um grafomaníaco incorrigível, devo minha predileção pela Sociologia da Cultura. Mais do que isso: devo minha carreira acadêmica e minha entrada no debate público. Leandro Konder, que nos deixou em 2014, é meu maior e melhor exemplo humano e intelectual.

Agualusa, o escritor angolano que tenho em altíssima conta, costuma dizer que a poesia é uma forma de domesticar o espanto. A cultura é poesia na carne e no espírito. Em filmes, livros, discos e encenações teatrais – e também em pinturas, esculturas e artesanias mil –, a poética cultural auxilia na exploração das linguagens, no entendimento do outro e no estímulo à imaginação política. Nestes tempos de tantos acenos à barbárie, a cultura e suas diversas poesias têm o poder de inspirar alternativas para a luta do lado certo da história. Numa palavra, a cultura é cosmopercepção: um jeito de ver, ouvir, cheirar, tocar e degustar a vida para muito além do opaco trivial despossuído da realidade luminosa das ideias.

Acredito na cultura como origem. É a partir da diversidade cultural que se pode chegar à política, à economia e às formas de organização social. Não se trata, portanto, de um código de acessórios – a cultura é, em essência, a base de uma existência tanto estética quanto ética, expressando-se de infinitas cores, prazeres e estilos.

É com alegria, portanto, que me vejo aqui na Folha 2. É como se eu voltasse no tempo e pudesse reescrever os melhores capítulos da minha história, dispondo de alguma maturidade e de um arsenal poético para pensar e sentir o mundo, na grande expectativa de que seja uma aventura plural e amplamente socializante.

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