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A CIDADE FUTURA 5m de leitura

Ano passado eu morri, este ano eu só sonho

Deixemos 2022 e recebamos 2023 quando aprendermos a sonhar juntos, em prol de todos

ATUALIZAÇÃO
07 de fevereiro de 2023

Marco A. Rossi
AUTOR

Imagem ilustrativa da imagem Ano passado eu morri, este ano eu só sonho

Tenho ouvido que 2022 foi um ano formidável. A redução da força mais agressiva da pandemia, a vitória eleitoral de Lula e a queda de nosso futebol anacrônico, que precisa se renovar e alçar novos voos, tudo isso configurou um ano dos melhores. Apesar de concordar com essas, digamos, “conquistas”, divirjo quanto à beleza de 2022. O início deste 2023 ainda é folhagem seca do ano passado que não terminou.

Como de praxe, tiro janeiro para descansar. Combino minhas férias com as de meu filho. A ideia é aproveitar um tempo juntos, rir à beça, compartilhar o que se passa em nossas cabeças e corações. Mesmo em recesso, permaneço lendo e escrevendo. Isso faz parte de mim, como o ar que respiro. Foi durante esse “descanso atento” que assisti a uma série de acontecimentos de fazer inveja a qualquer tempo histórico.

Para começo de conversa, vi o povo brasileiro subir a rampa do Planalto. O país, enfim, voltara a abraçar a democracia e a vida republicana. Dias depois, como se 2022 estivesse morrendo de inveja, uma legião invadiu Brasília e destruiu as sedes dos três poderes. Aos gritos horrorosos de “Deus, Pátria e Família”, os "patriotas" ameaçaram um golpe de estado e enlamearam a esperança que fazia bem pouco estava de volta. O lado mais nefasto do bolsonarismo mostrou-se sonâmbulo, pronto a atentar contra uma grande nação que necessita renascer. Felizmente, a manobra foi contida. E só estaremos de fato em 2023 quando todos os responsáveis forem exemplarmente punidos e execrados.

Perplexo, assisti à chegada do ChatGPT, uma ferramenta virtual que promete redigir qualquer coisa, responder a todas as questões e substituir a falta de eficiência humana na hora de escrever textos eficientes. Olhei a coisa de soslaio. Duvido de milagres quando o assunto é escrever. Acredito somente em meditação, muito suor e dias intermináveis em torno de letras, frases, sentenças infinitas. Ainda assim, a invenção impressiona. Sua redação é melhor do que a de 99 por cento das pessoas. É irônica, às vezes, mas não possui o essencial: sensibilidade. É por isso que a rapaziada que escreve com a boa síntese entre razão e emoção pode ficar tranquila. A Inteligência Artificial só irá superar a Burrice Natural, como me esclareceu uma amiga.

Coroando o desterro do insepulto 2022, colidimos com a tragédia dos Yanomami. A dor por que passam nossos irmãos indígenas é resultado de anos de omissão e crueldade, um retrato em cores do último governo e de tudo que ele representa ideologicamente. A chegada entristecida dos Yanomami aos noticiários coincidiu com a leitura que venho fazendo sobre o lugar dos sonhos em sua cultura: nós sonhamos individualmente; eles, coletivamente. Nossos sonhos não têm importância. Os deles redefinem tudo.

É bem provável, se soubermos aprender com os Yanomami, que deixemos 2022 e recebamos 2023 quando aprendermos a sonhar juntos, em prol de todos. Sem isso, daremos eterna continuidade aos piores anos de nossa história.

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