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DESPEDIDA 5m de leitura

Marília Mendonça: um megassucesso com sotaque goiano

ATUALIZAÇÃO
07 de novembro de 2021

Celia Musilli - Editora
AUTOR

Marília Mendonça: reverenciada por quem curte ou não o sertanejo, compositora deixa um exemplo de vida e arte
 

A cantora goiana que incorporou o feminino de forma inovadora à música sertaneja, em uma década de carreira alcançou um megassucesso que fez com que a imprensa internacional a comparasse à britânica Adele para noticiar sua morte na sexta feira (5), num acidente aéreo. Os números que cercam sua carreira são estratosféricos: 14 bilhões de visualizações de seus clipes no YouTube, 8,39 milhões de ouvintes mensais na plataforma Spotify e por aí vai.

Marília Mendonça: reverenciada por quem curte ou não o sertanejo, compositora deixa um exemplo de vida e arte
 

Mas, para mim, o mais sensacional em Marília Mendonça era o jeitão despojado de moça do interior que foi um sucesso mundial, mas nunca perdeu nem negou suas raízes. O sotaque goiano - que ela dizia ser "do Goiás" - era uma de suas marcas que aparecia nas entrevistas nas quais - talvez por insistência das equipes de produção - ela tentava disfarçar nas primeiras respostas puxando levemente  o "erre" carioca, sotaque padrão da Rede Globo, para logo depois descambar gostosamente para dizer do fundo de sua alma que era uma "serrrrtaneja".  Marília Mendonça jamais ficou "engastaiada" para dizer o que sentia e pensava com seu jeito único.

O "erre" profundo que Londrina (norte do Paraná)  também  pronuncia - com seu pé na colonização de paulistas e mineiros - em Marília Mendonça ganhava entonação mais acentuada porque, como dizem, o sotaque goiano é o mineiro ao quadrado.

 

Sem nenhum constrangimento, a moça que começou a compor para duplas sertanejas de homens, aos 12 anos, começou a soltar a voz bem mais tarde. E que voz! Uma entonação grave que não se via desde os tempos de Maria Bethânia em gênero diferente, mas que casou bem com o timbre agudo de Gal Costa que gravou "Cuidando de Longe", composta por Marília, como também convidou a cantora goiana para uma participação no disco "A Pele do Futuro" (2018).

Gal não foi a única tropicalista que cedeu aos encantos de Marília. Em seu novo álbum, "Meu Coco" (2021), Caetano Veloso cita duas vezes o nome da compositora goiana na música "Sem Samba Não Dá". Aliás, Caetano chama Marília elogiosamente de Mar(av) ília.

Não à toa, na sexta-feira, Caetano, Gil e Gal lamentaram emocionados a morte da cantora. Coisa de grandes artistas reverenciando  outro talento quase 50 anos mais jovem

O brilho de Marília Mendonça está para quem curte o gênero  sertanejo e também para quem não curte. Fazendo de suas letras um manifesto em favor da emancipação feminina, ela denunciou relacionamentos abusivos de uma forma tão direta que temos a impressão de estar ouvindo uma conversa de amigas quando escutamos suas músicas.

Levar esse manifesto à música sertaneja foi outro de seus trunfos, assim como o sotaque com a profundeza do Brasil do centro-oeste, das cercanias de Mato Grosso e Goiás, de onde partiu seu canto cheio de "erres"  tortos que ganharam o mundo. 

Na última entrevista que deu ao programa de Pedro Bial na Globo, em fevereiro, ela falou do filhinho Leo que ainda não completou dois anos e atestou que ele também é um pequeno "serrrrtanejo" a quem a mãe já ensinava a cantar "Galopeira", um clássico do compositor paraguaio Mauricio Cardoso, que fez grande sucesso no Brasil com a gravação da dupla Pedro Bento & Zé da Estrada.

Com Leo balbuciando "Galopeira", nos despedimos de Marília Mendonça com a emoção que só entende quem traz o sertão no coração, independentemente de gostar ou não deste ou daquele gênero.

Marília compunha e cantava para mulheres simples, para adolescentes perdidas de amor, para moças comuns que iam a seus shows erguer as mãos e a voz em reconhecimento a uma grande artista que, afinal, era igualzinha a elas, sempre apaixonadas e sem vergonha de suas raízes.      

Confira um dos grandes sucessos de Marília Mendonça: Supera

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