Para Antônio Mariano Júnior
(Porque não veio a crônica, mas nasceu um poema)
PUBLICAÇÃO
quarta-feira, 10 de abril de 2024
(Porque não veio a crônica, mas nasceu um poema)
Celia Musilli

o dia passa como o vento
os reflexos do céu nos automóveis
como o instante do pôr e do nascer sol
*
o dia passa como os pratos de um rodízio
a impaciência com quem estava à sua frente
indeciso sobre uma folha de alface
*
o dia passa
como sua impaciência com a cerveja que não vinha
enquanto o garçom agia
como um ladrão de festas
*
o dia passa como os fantasmas que nos deixam dúvidas
a sombra dos galhos que se mexem
e tudo muda
porque nada mais é igual
*
o dia passa como o plantio e a colheita da rosa
breve como a Ave-Maria
os sinos das seis
os véus da fé do fiel e do pagão
*
o dia passa
e há um escombro inegociável
um fragmento de oração
que rasga a alma e as palavras
mais incomuns da língua
*
porque éramos de uma felicidade
genuína e falseadora
um ato de mágica
de plumas que se levantam e se vão
mas a dor não se revoga nem se consola
*
por tudo isso
(e pelo nunca mais)
apelo ao voo de um pássaro
porque não veio a crônica
mas nasceu o poema
porque você se foi

