Na minha infância, no norte do Paraná, recebia visitas de borboletas. Quando existiam matas ao redor das cidades, córregos e rios sem a poluição pesada dos venenos agrícolas, era comum nas casas aparecerem borboletas, mamangavas e mais abelhas.

Ao contrário do zumbido assustador das mamangavas, uma espécie de motor que avisava: "posso te ferroar", "posso te ferroar", as borboletas vinham com seu voo diáfano, entravam pelas janelas e apareciam nas salas como a visita mais delicada que se pode ter no dia.

LEIA TAMBÉM:

O livro ainda é uma ameaça no século 21

As borboletas azuis são encantadoras, as asas com bordas pretas, tendo na maior parte o azul turquesa profundo, me extasiam pela beleza que, além de tudo, voa. Há alguns anos, aqui mesmo em Londrina, vi uma dessas azuis numa loja de departamentos e, para minha surpresa, ninguém parou as compras para a visita que destoava das etiquetas de preços sem movimento.

Minha relação com as borboletas se aprofundou quando conheci uma palavra que significa o coletivo de borboletas na língua guarani. E resolvi tatuar no meu pulso esquerdo uma pequena borboleta azul e a palavra panapaná, que me lembra um sobe e desce de asas.

Esta semana, vivi um novo episódio da história quando ouvi o programa "Literatura Viva", apresentado pelo professor Frederico Fernandes na rádio UEL FM, com a participação da escritora sul-matogrossense Raquel Naveira que tem 40 anos de carreira e cerca de trinta livros publicados.

Alguns abordam a cultura de fronteira, aquela entre o Brasil e o Paraguai, onde os povos e as línguas se encontram. Tenho admiração pelos autores da fronteira: Raquel Naveira, Douglas Diegues - que criou a expressão portunhol selvagem - o grande poeta Manoel de Barros e Luiz Taques, que vive em Londrina.

No programa de rádio, Raquel Naveira leu trecho de um de seus livros: Mundo Guarani - Fragmentos de Uma Alma de Fronteira (editora Minotauro/ 2023), no qual também fala da sua relação com as borboletas e afirma que panapaná é sua palavra preferida na língua indígena. No trecho, a autora faz desdobramentos e conta que "panambi ura" é borboleta da noite, "panambi verá" é borboleta brilhante e "panambi moroty" é borboleta branca.

Tanto o voo quanto as palavras me encantam e passei a semana repetindo: panapaná, panambi ura, panambi verá, resgatando da infância o encantamento como se encontrasse, enfim, o mantra das borboletas. Essa revelação se desdobra desde de a escolha da tatuagem em meu pulso, metamorfose que se repete como um rito em minha própria história.

* A opinião da colunista não reflete, necessariamente, a da Folha de Londrina.