Mal começou o ano e já se passou um mês. Escrevi por quatro semanas sem tempo de fechar os olhos. Falei da viagem do último trem pela paisagem de soja e céu pintado de ouro, da importância de descansar para divagar, do voo das garças - que graça! - e da queda de Mickey como um rato de grife no domínio público.

Nesta FOLHA, o menino em tratamento de câncer expôs seu sonho de ser bombeiro, a digital influencer foi notícia ao morrer de dengue, a cassação de Moro parece uma velha história, noticiamos o bullying e o cyberbullying, as fraudes, as socialites com seu botox em dia, o vestibular de novas caras pintadas, os girassóis que não estão nem aí quando escapam das câmeras, virando pra lá e pra cá.

Mal começou o ano e já se passou um mês. Passou a Folia de Reis, o dia de Iemanjá, rumamos para o Carnaval, depois de anunciar a volta do Samba da Madrugada e ver a notícia repetida como se fosse em primeira mão.

Neste Carnaval, não se sabe ainda se Londrina vai cair na folia ou vai ficar ali, como quem vê o mar sem mergulhar. De nossa parte, estimulamos quem pega onda, surfa na festa, garante a diversão, mas nunca se sabe o que se passa na mente de quem economiza humor.

O que o ano nos reserva ainda tem onze meses de mistério pela frente. Um calendário que o clima desobedece. Frentes frias, ondas de calor, 40 graus quando deveriam ser 30, e as notícias internacionais dando conta de que os pinguins não se reproduziram bem, em 2023, com o degelo dos ninhos.

Homens sem escrúpulos continuam entrando ilegalmente na terra dos yanomami e fala-se em explorar petróleo na foz do rio Amazonas, como se aquilo fosse um campo qualquer, numa desfaçatez de sondas e de ganância.

A gente se safa pelo futebol, mesmo quando o LEC perde, o impacto de um estádio aos gritos acende a esperança envergonhada. O ano passa, indiferente aos traumas de torcidas e de mulheres violentadas. O ano passa, com a data do casamento e o índice dos divórcios. O ano passa, enquanto escolas se abrem com crianças de uniforme, alheias à inteligência artificial que já acumulou todo o conhecimento que muitos, das gerações futuras, ainda tentam atingir a lápis.

Ainda não nos sequestraram todos os sonhos mas estão chegando perto, há um plano de carreira nas cinzas das profissões, outras virão. Homens e mulheres engendram projetos que podem não passar do faz de conta ou frutificar naquilo que ainda não se sabe. Somos brindados com bilhetes de empreendedorismo.

Mal começou o ano e já se passou um mês. O tempo não obedece aos nossos apegos, ao arrastar de janeiro, ao sambar de fevereiro, pela métrica do tempo, o carnaval já passou, embora ainda se ouçam os primeiros toques da cuíca. Tudo muito rápido, num abrir e fechar de olhos, com o calendário - essa invenção humana - nos tragando como a fumaça que já entrou e saiu dos pulmões.

A humanidade respira sua passagem tão rápida e tão frágil quanto os minutos.