Causa espanto saber que o livro "O Avesso da Pele", de Jeferson Tenório, foi recolhido das escolas públicas do Paraná, Mato Grosso do Sul e Goiás no século 21, quando a preferência maciça dos jovens do Ensino Médio - para o qual o livro é indicado - é pela internet sem nenhum tipo de restrição quanto ao conteúdo.

Vamos aos números: pesquisa divulgada em outubro de 2023 pela Cetic.br, centro de pesquisa ligado ao Centro Gestor da Internet no Brasil, com apoio da Unesco, demonstra que 95% das crianças e adolescentes entre 9 e 17 anos usam a internet no País, o que representa 25 milhões de pessoas. A grande maioria usa o celular para ter acesso ao conhecimento, mas também a conteúdos inadequados tornando-se até mesmo vulneráveis aos riscos ligados à pedofilia.

Aqui não se trata de demonizar a internet e muito menos os livros. Mas se os meios digitais não têm mediação na sociedade brasileira, por que uma diretora de escola do Rio Grande do Sul criou uma celeuma e deflagrou uma cruzada contra o livro de Jeferson Tenório por cenas de sexo considerada "impróprias" num livro em que o tema principal é o racismo? Causa espanto num País que pouco lê, um livro incomodar tanto a ponto de ser recolhido em três estados nas escolas de Ensino Médio, sendo que a maioria dos jovens está exposta a todo tipo de banalização - inclusive sexual - sem que ninguém se incomode.

Há duas hipóteses: ou os censores têm duas medidas ou - o que é mais provável - este tipo de censura faz parte do jogo político que enfeita propostas de campanha com um rol de "valores morais" que mais servem para criar palco a candidatos conservadores do que propriamente à evolução da sociedade.

Há uma lista grotesca de projetos - alguns até viraram lei - que nada acrescentam de positivo à sociedade: da flexibilização ao porte de armas - inclusive com propaganda liberada na televisão - à proposta de redução da maioridade penal, de 16 para 18 anos, tema de grande debate, passando pela Escola Sem Partido, que naufragou na pandemia mas ainda mostra as unhas. Tudo isso para que a juventude brasileira seja alvo de preconceitos que sopram brasas para a polarização política, mais ávida por holofotes do que por avanços para a compreensão dos nossos abismos sociais que têm a juventude como uma de suas principais vítimas.

No pacote dessas propostas, que violentam o entendimento do que seja evolução social e cultural, o Brasil se aproxima das réguas morais dos países mais atrasados e das regiões mofadas pelo moralismo mesmo nos EUA, criando artifícios que deságuam na censura ao livro.

"1984", de George Orwell, foi banido nos EUA durante a Guerra Fria por ser considerado "propaganda do comunismo"; Feliz Ano Novo", de Rubem Fonseca, foi censurado no Brasil durante a ditadura militar; "Cem Anos de Solidão", de Gabriel García Márquez, foi banido na Rússia, Irã e Kwuait por conter cenas de "apelo sexual."

Hoje, todos esses livros são clássicos no mundo ou em seus países de origem, e não consta que tenham subvertido a moral.

Os livros são o reflexo de seu tempo histórico e social. E a realidade nunca foi um conto de fadas, como querem as Barbies falsificadas ao pregar "bons costumes." Para fazer as críticas, dentro de suas bolhas, as Barbies usam artigos da imprensa nas mídias sociais sem nunca terem lido o livro que criticam. Fariam melhor se para ganhar o palco e criar fama, com vistas às próximas eleições, contassem com seu próprio talento, não com o dos outros.

* A opinião da colunista não reflete, necessariamente, a da Folha de Londrina.