Com acenos da população em algumas estações, o último trem de cargas do ramal ferroviário de Londrina a Ourinhos (SP) passou pelos trilhos em 15 de janeiro, quando a concessionária Rumo paralisou suas operações alegando baixa demanda comercial.

Junto com os acenos apareceu uma carga de emoção diferente daquela que celebrou a chegada do primeiro trem de passageiros, em 1935, à estação de Londrina. Rompiam-se ali os impedimentos de transportar pessoas e cargas sobre os trilhos tendo como obstáculo o rio Tibagi, que ganhou uma ponte de ferroviária de concreto armado de 294 metros quando, na época, eram comuns as pontes de ferro.

Imagem ilustrativa da imagem A passagem do último trem e a saudade anunciada
| Foto: Gustavo Carneiro/ Divulgação

A edificação de um sonho termina agora, 89 anos depois, sem as taças de champanhe que celebraram a chegada do primeiro trem em 28 de julho de 1935, trazendo o governador do Paraná Manoel Ribas, uma comitiva de diretores da Cia Ferroviária São Paulo-Paraná, repórteres dos jornais de Curitiba e São Paulo, e a imprensa local - representada pelo Paraná-Norte, primeiro jornal de Londrina. A festa vinha desde a estação de Jatahy que, no último dia 15, também deu adeus ao trem.

Nesta edição, fotos de Gustavo Carneiro marcam a última passagem dos vagões por Cornélio Procópio quando, além de aplaudir, parte da população ergueu celulares para registrar a despedida. Na região, ainda há trens circulando em outras linhas, mas neste trajeto o tempo das locomotivas terminou.

Imagem ilustrativa da imagem A passagem do último trem e a saudade anunciada
| Foto: Gustavo Carneiro/ Divulgação

Quem passou os anos 60 e 70 no norte do Paraná guarda a lembrança do apito e do barulho característico do trem nos trilhos, um sacolejo que despertava nossas manhãs, quando os vagões anunciavam o começo do dia, de acordo com o relógio da estação. Adolescente em Cornélio Procópio, adorava desafiar o aviso dos pais - "não andem pela linha do trem" - para ir ao Colégio Castro Alves, a uns 3 km de casa, pelos trilhos.

Pular vagões parados, andar pela via férrea chutando pedrinhas do leito ferroviário, abrir as torneiras dos equipamentos que abasteciam os vagões de água eram parte da brincadeira no trajeto. Quem já andou sobre trilhos sabe que a sensação de liberdade tem um gosto de desafio. Ninguém era besta de ficar por ali ao primeiro apito na curva, mas abrir os braços em cima dos trilhos nos transformou numa geração de equilibristas, lição que nos levaria a outras experiências que requerem ousadia.

O trem representou muito na vida dos norte-paranaenses. O último trem de passageiros deixou de circular em 1981, e aquela viagem embalada por Villa-Lobos, com seu Trenzinho Caipira, também deixou de existir no tempo das rodovias que nos levam a outros destinos com mais velocidade, mas sem tanta emoção como a de ver os habitantes de cada vilarejo acenando como se o trem anunciasse uma festa no cotidiano. Cansei de desejar viver assim, como as pessoas dos povoados que se alvoroçavam ao avistar o trem.

Entre Ourinhos e Londrina, milhares de pessoas e toneladas de grãos foram transportados, o que justifica nossa nostalgia como se nos despedíssemos de fragmentos de nossas próprias vidas. Sim, o trem também extinguiu vidas, já que os trilhos passavam no meio das cidades do Norte-Pioneiro, ignorando o crescimento urbano quando não se permitia mais tanto risco.

Mas o trem também trouxe vidas. Pessoas que desembarcaram desde 1935 nas estações trazendo alimentos, ferramentas, equipamentos e tudo o que foi necessário para que as matas ganhassem, enfim, um entalhe humano.

A passagem do último trem não contou com autoridades nem empresas para explicar o "decreto" do fim dos vagões. Também não se viram brindes anunciando o futuro que, agora, passa pelas estradas de rodagem. Deixou apenas um gosto de passado e uma saudade anunciada, sem taças de champanhe.

Imagem ilustrativa da imagem A passagem do último trem e a saudade anunciada
| Foto: Gustavo Carneiro/ Divulgação