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CÉLIA MUSILLI 5m de leitura

Histórias da vida cotidiana: um banquete com o gato

Para o gato, a graça está em pegar no ar o pedacinho de presunto, curvando as garras como se fosse um garfo

ATUALIZAÇÃO
03 de abril de 2023

Celia Musilli
AUTOR

Imagem ilustrativa da imagem Histórias da vida cotidiana: um banquete com o gato

No café  da manhã,  quando ele escuta o barulho da embalagem, vem correndo até a mesa e estende a pata para ganhar um pedacinho de presunto. Meus filhos dizem que não devo dar esse tipo de comida para o gato, dizem que tem muito sal, e que eu também deveria evitá-lo.  Retruco que, na verdade, como pouco e se insisto é porque as minhas manhãs e as do gato seriam  tediosas sem a fatia fininha que virou parte de uma grande brincadeira. É sempre um pedaço pra mim e um quinto para o bichano.

A situação  me faz pensar na autocensura e nas coisas que cortamos porque "fazem mal."  Com todo respeito  às dietas, sou do tipo que não desiste da batata frita, do frango  à passarinho,  da massa  caprichada porque estão na lista das "comidas malditas." Gosto de comer o que sinto vontade e o gato compartilha  comigo. Não  seríamos  felizes só com arroz sem tempero  ou ração  insossa. Gostamos de aproveitar as pequenas delícias e, como  os bichos imitam  o dono, está  fora de cogitação comermos alpiste porque "é mais saudável."

Não dispenso saladas de folhas  ou legumes, ponho azeite em quase tudo e nisso o gato não me acompanha porque, para ele, a graça está em pegar no ar o pedacinho de presunto, curvando as garras como se fosse um garfo, num malabarismo circense  

Em campanha doméstica pela gula do gato e pela minha gula, explico  aos filhos  que de alguma  coisa sempre iremos morrer. É inevitável com ou sem sal, com ou sem açúcar,  com batata  frita ou só com batata doce cozida.  Definitivamente,  minha vocação  para suspender  pequenos  e grandes  prazeres  é quase nula. Acho mesmo que os hábitos de algumas pessoas são  sua marca  registrada.

Já pensaram em Winston Churchill sem charuto, Jack  Kerouac sem o álcool  e Marião Bortolotto sem aquela garrafa de bourbon?  Não  tem graça nenhuma ir à  Itália  e não  beber  vinho, ficar no Brasil sem feijoada ou no Japão  sem saquê. Pior ainda é um alemão sem cerveja, um americano sem hambúrguer, um argentino sem alfajores e um mexicano que não come tacos.

Aos certinhos desejo boa saúde. 

Aos "sem conserto", a celebração  de cada dia.  E continuo nas manhãs com  meu gato e o pedacinho de presunto, equilibrado entre meus dedos e sua garrinha afiada, indicando que o bicho ainda vai comer de garfo e faca.

A diversão não  tem preço. 

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