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CÉLIA MUSILLI 5m de leitura

A tragédia nos palcos ou bem aqui na vizinhança

No palco ou na vida, as tragédias se sucedem como mostram os acontecimentos desta semana fatídica na região de Londrina

ATUALIZAÇÃO
23 de junho de 2023

Célia Musilli
AUTOR

Imagem ilustrativa da imagem A tragédia nos palcos ou bem aqui na vizinhança

O teatro é aquele espaço onde as tragédias e dramas existem para nos fazer refletir. Na primeira semana do FILO - Festival Internacional de Londrina - vimos encenações sobre as fronteiras humanas que não obedecem rigososamente a bandeiras e geografias. Vimos como os retirantes do "Estudo nº 1", do grupo Magiluth - espetáculo baseado no poema "Morte e Vida Severina", de João Cabral de Mello Neto - hoje podem ser vistos não como um fenômeno de décadas atrás, quando homens e mulheres chegavam ao sul fugindo da seca no nordeste. O retirante hoje, ou os Severinos, estão tentando ultrapassar as fronteiras do México com os EUA, criminalizados pela clandestinidade, ou podem vir de Kiribati - país da Oceânia com grandes possibilidades de ficar inabitável devido à crise climática.

A crise humanitária na fronteira do México com os Estados Unidos foi tema da performance política apresentada no festival pela atriz mexicana Violeta Luna.  O tema se repete esta semana com "Tijuana", com Lázaro Gabino Rodríguez, que trata das mazelas dos 50 milhões de mexicanos que vivem com salário mínimo e sonham em ultrapassar a fronteira para viver aquele "sonho americano" fora do alcance da maioria do planeta..

Mas, na conexão das tragédias, tocou-me especialmente o espetáculo "Neva" da Cia de Teatro Armazém, que nasceu em Londrina e hoje é referência nacional. A montagem traz a opressão pelos regimes autoritários, mostrando a Rússia dos czares a partir da perspectiva de um elenco de teatro. Um drama pessoal, da principal atriz da companhia, misturado ao drama coletivo dos anos pré-revolução, nos quais, para além do palco, o sangue corria nas ruas nos embates do exército do Czar com a população.

O que me toca é que a tragédia extrapola o palco para doer na realidade, na vida que se desenrola bem aqui na vizinhança. O sangue correu nesta semana em que dois jovens foram mortos a tiros num ataque a uma escola de Cambé. O drama que feriu profundamente a família dos jovens baleados, pegos na inocência de uma manhã num pátio escolar, também atingiu a família do agressor que acabou se suicidando - conforme a versão corrente - num presídio em Londrina.

Essa tragédia dói pelos jovens assassinados e dói pelo assassino cuja história de vida mostra que sofria de transtornos mentais desde 4 anos. O transtorno mental é um peso para qualquer família e carregá-lo, junto com o filho, o neto ou o irmão, é um fardo, ainda mais num país de poucos recursos para tratamentos psiquiátricos, principalmente para quem não tem muito dinheiro. 

Ali, na poltrona escura do teatro, remoí as tragédias do palco e as tragédias da vida, com o tapa de realidade que nos acertou esta semana. Podemos nos condoer mais ou menos por cada um dos jovens que partiram, julgando que há os merecedores da nossa dor e o merecedor de nosso desprezo. Mas não seria humano - e tampouco cristão - não reconhecer o sofrimento de todos numa tragédia real, aquela que cutuca nossa consciência desde os gregos que tranformaram em catarse a dor das guerras e dos acontecimentos cotidianos que ainda nos assombram, numa contemporaneidade cada vez mais violenta.

Que a reflexão sobre os últimos acontecimentos nos ensine a pensar como propõe o teatro e como exige nossa própria consciência. E que as mortes violentas não sejam apenas matéria policial ou drama midiático. Que a dor nos sirva para a transformar as mazelas em reflexões que nos salvem de apenas comentar ou reproduzir o sofrimento alheio. A dor é de todos nós!

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A opinião da colunista não reflete, necessariamente, a da Folha de Londrina.

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