Os números de intoxicação por agrotóxico no Brasil dobraram em dez anos. Segundo dados do Ministério da Saúde, 1.534 pessoas tiveram intoxicação confirmada em 2007. Dez anos depois, o número subiu para 3.059. Nesse período, 41 mil pessoas foram expostas aos defensivos agrícolas e 28 mil sofreram envenenamento. O Paraná é o primeiro Estado no ranking, com 4.785 notificações por intoxicações confirmadas e 347 óbitos.

Utilização dos defensivos agrícolas nas lavouras enfrenta longo debate entre ambientalistas, pesquisadores e ruralistas
Utilização dos defensivos agrícolas nas lavouras enfrenta longo debate entre ambientalistas, pesquisadores e ruralistas | Foto: Ricardo Chicarelli

Segundo Yumie Murakami, farmacêutica pesquisadora do Observatório do Uso de Agrotóxicos, da UFPR (Universidade Federal do Paraná), o Estado tem a preocupação em notificar com seriedade, mas os registros ainda são baixos. “O Paraná é um dos que melhor notificam. O Estado lançou um guia de avaliação de intoxicação por agrotóxicos para melhorar o diagnóstico e o acompanhamento, mas mesmo assim, é insuficiente, ainda há subnotificação.”

Há alergias, distúrbios gastrintestinais, respiratórios, neurológicos, mortes que estão diretamente ligados aos defensivos. Além disso, muitas doenças causadas por intoxicação crônica acabam não entrando nas estatísticas. “Questões que serão reveladas por doenças diversas, como diabetes, hipertensão, problemas neurológicos, você não consegue fazer a relação direta, mas consegue, através de estudos das moléculas em animais provar esses efeitos”, aponta.

LEIA TAMBÉM:

- Defensivos não oferecem riscos à saúde e à segurança alimentar, dizem especialistas

- Apoiadores de PL defendem maior celeridade nas aprovações

- Tecnologia e conhecimento reduziram riscos

- Produção orgânica como caminho sustentável

- MP identifica irregularidades na região de Londrina

A população mais suscetível é a de trabalhadores agrícolas, que enfrenta os riscos da exposição direta. De acordo com os dados, dos 27.923 casos confirmados em todo o País, 22.440 ocorreram por exposição aguda-única, ou seja, decorrente de um ou mais contato dentro de um período de 24 horas, apresentando efeito imediato ou nos dias e semanas seguintes.

Os perigos do contato com as substâncias podem ser ainda mais drásticos. No Brasil, foram registrados 1.872 óbitos, 347 deles no Paraná. A maioria dos casos ocorreram por tentativa de suicídio e envenenamento acidental. Desde 2007, mais de 13 mil pessoas tentaram tirar a própria vida utilizando o produto e sete mil sofreram algum tipo de acidente.

Só em 2017, o Paraná teve 419 casos de intoxicação por agrotóxico confirmados. A maioria conseguiu ser curada sem graves consequências, porém, 11 pessoas afetadas convivem com as sequelas e 11 morreram. O perfil das pessoas que sofreram as consequências é formado por homens, brancos, de 20 a 39 anos, com ensino fundamental incompleto.

GLIFOSATO

Os impactos dos agrotóxicos para a saúde ainda são bastante discutidos na comunidade científica mundial. Os efeitos crônicos ainda são difíceis de ser registrados, devido a complexidade da análise, porém, a IARC (International Agency for Research on Cancer) divulgou o potencial carcinogênico de alguns agrotóxicos, como o glifosato, herbicida mais utilizado da agricultura brasileira.

A substância passava por reavaliação toxicológica desde 2008. Em fevereiro deste ano, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) abriu consulta pública para avaliar o ingrediente. De acordo com a nota técnica, “o produto não se enquadra nos critérios proibitivos previstos na legislação. Isso porque não foi classificado como mutagênico, carcinogênico, tóxico para a reprodução, teratogênico (que causa malformação fetal), entre outros.” No documento de reavaliação, o órgão não proíbe uso, mas propõe restrições.

Murakami afirma que há inúmeras pesquisas apontando os riscos de várias moléculas que já estão presentes no ciclo natural, como o leite materno, contaminação nas águas de abastecimento humano e alteração na fauna, com morte de insetos e abelhas. “Como você mensura isso para daqui 20 anos? Você está imerso em um ambiente onde o alimento, água, leite humano estão contaminados. Não é mais exposição, é imposição”, argumenta a pesquisadora.

SAÚDE

Ambientalistas, pesquisadores da área da saúde e ruralistas enfrentam um longo debate. O relatório Agrotóxicos na Ótica do Sistema Único de Saúde, do Ministério da Saúde, aponta preocupação diante da crescente comercialização dos produtos e consequente intoxicação pela exposição, além dos gastos públicos com a recuperação de áreas contaminadas, tratamentos por intoxicação aguda e crônica, casos de morte e invalidez, entre outros. No documento pede-se a conciliação do desenvolvimento econômico com a promoção do desenvolvimento social e sustentabilidade ambiental, destacando o modelo agrícola implantado no País.

A publicação Agrotóxicos e Saúde, disponibilizado pela Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), também ressalta a ineficiência das ações de fiscalização, das orientações técnicas de rótulo e bula e ações de prevenção no âmbito da vigilância em saúde, que poderiam evitar intoxicação e contaminação ao longo de toda cadeia produtiva. De acordo com o relatório, o impacto dos agroquímicos sobre a saúde humana também se expressa em custos de tratamento e aponta que as pesquisas brasileiras sobre o impacto na saúde humana se desenvolveu nos últimos anos, mas ainda é insuficiente para calcular a dimensão dos danos.

REGISTROS

De acordo com a pesquisadora, no Brasil, os registros dos agrotóxicos têm base nos documentos que a indústria entrega. “Não tem uma avaliação mais criteriosa ou mesmo uma contraprova da Saúde para dizer se aqueles dados são verdadeiros ou não. Você se basear a partir de um dossiê da molécula que a própria empresa fornece, não vejo como sendo um processo seguro”, opina.

Ao mesmo tempo, aponta o desmonte das agências reguladoras em tempos em que o “Pacote do Veneno” pretende flexibilizar a liberação dos registros. “Aí você tira a Saúde e Meio Ambiente dessas avaliações e fica só a cargo da Agricultura, que simplesmente vê a eficiência agronômica. É um absurdo!”. Para ela, já não é seguro passando pelas três avaliações, pior seria se tirassem duas.

A liberação dos registros de novos agrotóxicos, na visão da pesquisadora, não seria negativa se seguisse critérios. “Se eles querem registar moléculas menos tóxicas, até poderia ser uma boa ideia, mas eles jamais pedem a cassação dos registros antigos que são altamente tóxicos. O que adianta introduzir mais agrotóxico e não banir aqueles que outros países nem fazem mais o uso? Não vejo como um benefício, isso tem que estar junto com outras medidas que restrinja produtos obsoletos.”

CONTRABANDO

Para agravar a situação, uma parte dos agrotóxicos utilizados no Brasil é oriunda de contrabando. Nos anos de 2018 e 2019, a PRF (Polícia Rodoviária Federal) apreendeu 60.395 kg de agrotóxicos que circulavam de forma ilegal no País. No ano passado, a regional do Paraná apreendeu 458 quilos. Neste ano, esse número já foi ultrapassado, com 474 kg confiscados. As regionais de São Paulo e Mato Grosso do Sul são as que mais apreendem. Juntas, elas confiscaram 45 mil quilos só no ano passado.