Bioinsumos aumentam renda e produtividade, mas falta regulamentação
Uso de microorganismos no controle de pragas e doenças nas lavouras ainda é pontual apesar das exigências do mercado
PUBLICAÇÃO
sexta-feira, 21 de outubro de 2022
Uso de microorganismos no controle de pragas e doenças nas lavouras ainda é pontual apesar das exigências do mercado
Simoni Saris - Grupo Folha

Cada vez mais crescente no setor produtivo, a busca por tecnologias sustentáveis para o controle de pragas e fertilização do solo é uma necessidade não apenas para atender as exigências do mercado, principalmente o externo, mas também para reduzir os impactos ambientais e aumentar a segurança alimentar. A utilização dos bioinsumos no campo, em substituição aos fertilizantes químicos e defensivos agrícolas, foi ampliada nos últimos anos e os resultados mostram ganhos na produtividade e rentabilidade. Mas a prática de empregar bactérias e fungos no manejo das lavouras está muito atrasada no país e carece de legislação específica. As experiências ainda são muito pontuais na grande maioria dos estados brasileiros.

Ao contrário do que se imaginava há alguns anos, os bioinsumos são eficientes não apenas em pequenas áreas de agricultura familiar ou em horticultura. Aos poucos, as experiências registradas em extensas áreas de plantio em algumas partes do país vão desmistificando conceitos e práticas e mostram que o controle biológico da produção tem efeitos muito positivos em grandes lavouras e em todos os tipos de cultura. Além da olericultura e fruticultura, já comprovadamente beneficiadas pelo manejo biológico, o plantio de grãos, como soja, milho e trigo, também apresentou resultados bastante positivos com o uso de bioinsumos no sistema de produção.
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“O produtor tem que estar dentro da sua lavoura, trazer novamente os técnicos para as lavouras. É um sistema que utiliza ainda mais técnicos. Os bioinsumos são produtos que você utiliza de forma preventiva, você constrói um sistema produtivo desde o plantio, desde a preparação do solo, fazendo o condicionamento do solo, fazendo todo um manejo preventivo para que tenha sucesso”, disse o engenheiro agrônomo e secretário de Agricultura, Pecuária e Abastecimento de Goiás, Tiago Freitas Mendonça.
Em 2021, o governo goiano foi pioneiro ao instituir a lei que implementou o programa de bioinsumos no estado. O secretário esteve nesta semana em Londrina, onde realizou palestra sobre o cenário e perspectivas para o agro brasileiro, dentro da programação da 14ª Semana Acadêmica de Agronomia, promovida pela Unifil.
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Mendonça reconhece que há um desafio cultural a ser vencido para que o uso de bioinsumos no manejo da produção seja largamente difundido no país. Esse novo modelo de produção, destacou, exige a presença mais constante do produtor dentro da lavoura. “Durante esses longos anos de utilização de produtos químicos, ficamos muito acomodados e aí, passamos a utilizar uma receita de bolo para colocar na nossa produção. Hoje, não. Nós vamos trazer novamente os técnicos para dentro das lavouras. Então, nós vamos utilizar ainda mais técnicos no sistema de produção.”
O que, em um primeiro momento, pode sugerir um aumento de gastos, a longo prazo se traduz em economia para os produtores e a redução de custos é extremamente importante para a sustentação do agronegócio brasileiro, apontou o secretário. Ele não soube precisar o percentual de queda nos recursos investidos na produção com o uso de bioinsumos, mas aponta que a experiência dos agricultores goianos acusam um custo de produção em torno de 17 a 18 sacas por hectare. “É uma redução inimaginável há alguns anos e esses produtores já têm quatro anos utilizando somente bioinsumos, mas totalmente tecnificado. É um controle diário.”
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Atualmente, dentro das lavouras, o maior custo corresponde à compra de produtos químicos. Sem a necessidade de uso de fertilizantes e defensivos, o dinheiro que seria canalizado para a compra desses insumos pode ser empregado na montagem de uma estrutura, ainda que pequena, para a produção dos bioinsumos “on farm”, ou seja, dentro da própria propriedade. “As empresas que estão produzindo os bioinsumos, produzindo as cepas, também dão todo o apoio para os produtores, dão todo o caminho que o produtor tem que seguir para ter sucesso”, disse Mendonça. “(O uso de bioinsumos) também vai dar uma segurança ao nosso país com relação à alimentação e também fornecer para os nossos clientes, que são a Europa e a China, produtos mais saudáveis.”
Pesquisadora na área de Fitopatologia do IDR/Iapar, Sandra Cristina Vigo enumera os benefícios ambientais e para a saúde humana advindos do uso dos bioinsumos, mas defende a transição gradual nas lavouras. “A gente não quer mudar a agricultura, transformar de uma hora para outra. Tem que transformar em sustentável, como tem feito, e fazer com que os produtos fiquem cada vez mais saudáveis para o consumidor final. A gente trabalha com coisas vivas, acontecem contaminações também. Isso é uma tecnologia que surgiu e vai continuar aumentando por vários anos se a gente conduzir de forma correta.”

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Legalmente, o Brasil está bem atrasado em relação à regulamentação e normatização do uso dos bioinsumos. Enquanto a Câmara Federal e o Senado não aprovam os três projetos de lei que tramitam há anos no Congresso, o país se pauta pela Lei 7.802, de 1989, que rege o uso dos agrotóxicos, atualizada em 2002 por meio de um decreto federal. “Na atualização tem a parte de controle biológico, mas ainda não é satisfatório para esse momento”, avaliou a pesquisadora na área de Fitopatologia do IDR/Iapar, Sandra Cristina Vigo.
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Em razão da urgente necessidade de se ter uma regulamentação, o Paraná editou, no início deste mês, uma resolução constituindo um grupo de trabalho do qual fazem parte representantes de diversos órgãos do setor, entre eles, Secretaria de Estado da Agricultura e Abastecimento, IDR, Adapar, Ocepar, Fetaep e Faep, que tem a missão de discutir a implantação de um programa estadual de bioinsumos. O grupo tem um prazo de 60 dias para concluir os trabalhos.
“O que mais nós temos hoje no Estado são as empresas registrando os produtos delas e algumas fazendo o sistema de comodato. Elas oferecem ao agricultor o biorreator, o meio de cultura, o produto para assepsia, a cepa do microorganismo, e fazem o controle de qualidade e o acompanhamento técnico”, destacou Vigo.
Também há produtores em Cascavel (Oeste) e em Guarapuava (Sudoeste) que investiram na implantação de estruturas próprias de produção de biorretores e por conta da iniciativa são classificados como pioneiros no Estado.
A pesquisadora ressaltou o programa de agricultura sustentável Plante seu Futuro, implementado pelo governo do Estado em 2012, com o objetivo de difundir as boas práticas agrícolas, que contribuiu para o avanço da produção orgânica paranaense, com a certificação de muitas propriedades, incluindo uma propriedade na Região Oeste, que produz soja orgânica. “Desde que eu entrei no instituto, em 2012, a gente trabalha na instituição de conservação e boas práticas, não só bioinsumos. Então, a gente já tem um programa mais ou menos nessa linha, sustentável. A gente não tem ainda a produção ‘on farm’ de bioinsumos para o produtor utilizar.”
Hub trabalha na pesquisa e desenvolvimento de cepas
A partir da sanção de uma lei estadual que permitiu a implementação do programa de bioinsumos em Goiás, em 2021, foi formado um grande hub com todos os institutos de pesquisa do estado que trabalham no desenvolvimento de bactérias e fungos para controle de pragas e doenças que acometem as lavouras e para o condicionamento do solo. Embrapa Arroz e Feijão, Embrapa Cerrado, institutos federais goianos, a Universidade Estadual de Goiás e a Fapeg (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás) estão reunidos no hub. “O que nós estamos hoje é fomentando as nossas pesquisas, os nossos pesquisadores, para que eles entreguem os resultados e todos os estudos necessários que os produtores precisam para ter a segurança na sua aplicação, para ter a segurança de qual produto deve ser utilizado nas nossas lavouras”, destacou o secretário de Agricultura, Pecuária e Abastecimento de Goiás, Tiago Freitas Mendonça.
Dentro do hub também há 13 biofábricas que trabalham na busca de novas cepas para melhorar a qualidade dos bioinsumos. Segundo o secretário, o recondicionamento do solo é o principal ganho resultante do manejo biológico das lavouras. “A gente coloca microorganismos que são fundamentais na vida microbiana e recuperando esse solo, vamos ter uma condição melhor para a planta se desenvolver, colocando todo o seu potencial produtivo durante o seu manejo”, apontou.
Com a confiança trazida pelas pesquisas e os resultados práticos, Goiás conseguiu aumentar o uso de bioinsumos em muitas áreas de plantio e hoje há agricultores usando 100% de bioinsumos em suas propriedades, eliminando o uso de defensivos químicos, sem perda de produtividade.
Além de atender a uma exigência do mercado e diminuir o impacto ambiental, a produção sustentável também é vista como um passo importante para reduzir a dependência de fornecedores externos, o que ficou evidente desde o início da guerra entre Rússia e Ucrânia. O Leste Europeu produz grande parte dos fertilizantes químicos utilizados nas lavouras brasileiras. “Os remineralizadores, junto com os bioinsumos, passaram a ser fundamentais na segurança no do nosso país, na segurança alimentar do nosso povo”, disse Mendonça.
O governo de Goiás ainda não conseguiu quantificar quantos produtores ou propriedades rurais aderiram ao uso dos bioinsumos. Um levantamento está sendo preparado com o autocadastramento dos produtores, para que o estado consiga ter esse quantitativo, incluindo o tipo de bioinsumo utilizado. “Criamos um mapa da sustentabilidade em que não só Goiás, mas também produtores do país inteiro podem entrar lá e fazer a sua inscrição. Assim, a gente vai saber onde está cada produtor e o que ele está usando na sua produção. Vamos trabalhar essa mapa a partir de 2023 junto com as secretarias estaduais de agricultura.”
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