O candidato anti-sistema da última disputa, agora em busca da reeleição, tenta uma aliança com partidos que outrora criticava. Justamente as mesmas legendas que já se aliaram ao eleito de quase 20 anos atrás que, por ora livre dos problemas com a Justiça, promete tentar voltar ao Palácio do Alvorada. Ambos sofrendo um intenso bombardeio do ex-governador, ex-ministro e ex-deputado, que passou por sete partidos e se arma para disputar o quarto pleito à presidência da República. Juntos, Jair Bolsonaro (sem partido), Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Ciro Gomes (PDT) já se colocam oficialmente como pré-candidatos à sucessão presidencial de 2022 e amealharam, juntos, 66% das intenções de voto na última pesquisa XP/Ipespe, divulgada em junho — Lula lidera com 32%, seguido de Bolsonaro, com 28%; Ciro tem 6%. No entanto, sofrem também forte rejeição: 50%, 48% e 46%, respectivamente. Embora ainda distante – são 16 meses até o primeiro turno – as discussões esquentam nos bastidores e pegam fogo nas redes sociais.

Imagem ilustrativa da imagem TERCEIRA  VIA - Xadrez da sucessão presidencial de 2022 já esquenta nas redes
| Foto: iStock

“O comportamento do presidente Jair Bolsonaro, que parece estar em frequente campanha, e a anulação pelo STF das condenações da Lava Jato contra Lula, certamente anteciparam o debate. Soma-se a isso as dificuldades decorrentes da pandemia, tanto econômicas quanto sanitárias, a instalação da CPI da Covid pelo Senado e a polarização política que se arrasta há alguns anos no país, e temos esse panorama bélico”, avalia o cientista político Cláudio Novais. A guerra na internet, que vai de divertidos memes a sérias ofensas, deve consolidar a importância da plataforma na disputa. “Não sei se com o mesmo impacto individual que tivemos em 2018, já que todos estão mais preparados agora, mas certamente vai ser um ponto crucial a se observar. As investigações sobre fake news, utilização de robôs e outros temas ligados à seara virtual também vão influenciar e estar no centro do debate nos próximos meses”, prevê Novais.

A força da comunicação virtual segue sendo um trunfo nas mãos de Bolsonaro. Dados do Índice de Popularidade Digital (IPD), ranking produzido pela consultoria Quaest Consultoria e Pesquisa, empresa de pesquisa e estratégia de Belo Horizonte (MG), mostrou uma reação do presidente em relação à Lula nas redes sociais. A métrica do IPD avalia o desempenho de personalidades da política nacional no Facebook, Instagram, Twitter, YouTube, Wikipedia e Google. A performance é medida diariamente, em uma escala de 0 a 100, em que o maior valor representa o máximo de popularidade. Seis aspectos nas redes são monitorados: número de seguidores (fama), comentários e curtidas por postagem (engajamento), compartilhamentos (mobilização), reações positivas e negativas (valência), número de redes sociais em que o personagem está ativo (presença) e volume de buscas no Google, YouTube e Wikipedia (interesse). Detalhe importante: o estudo isola ao máximo o efeito do uso de robôs nas redes, portanto, os números apresentam o comportamento digital não automatizado.

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No primeiro dia de janeiro, Bolsonaro alcançou 83,2 pontos no IPD, mais que o dobro de Lula, que tinha 40,3. Ciro apareceu com 28,6; João Dória (PSDB), governador de São Paulo, ex-aliado e agora um dos maiores desafetos do presidente, começou 2021 com 22,8. Outros nomes do cenário político também são avaliados, como Luiz Henrique Mandetta (DEM), ex-ministro da Saúde (14,64) e o ex-presidenciável do Novo em 2018, João Amoêdo (17,65). Visto até então como provável candidato, o apresentador Luciano Huck também integrou a lista e pontuou bem na largada do ano, com 40,1. Mas, recentemente, Huck renovou contrato com a Rede Globo e deve substituir Fausto Silva, de mudança para a Band, na programação global dos domingos, retirando-se da disputa. Amoêdo também anunciou a retirada da pré-candidatura.

Apesar de um início de ano forte, Bolsonaro enfrentou um período de queda, atingido pelo agravamento da pandemia e seus impactos na saúde e economia. Em março, quando o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), anulou as condenações de Lula na Operação Lava Jato, ele chegou a ficar atrás do petista durante nove dias nos números do IPD. A volta do pagamento do auxílio emergencial em abril trouxe novo fôlego a Bolsonaro, levando a um pico de popularidade em maio – 83,38 pontos. A reação de Lula veio em situações esporádicas. Destaques para a reunião com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), durante os protestos de oposição em 29 de maio e com a divulgação de pesquisas em que lidera a disputa para o Planalto. Mas após um “empate técnico” no primeiro dia de junho (74,14 a 73,99 para Bolsonaro), o presidente voltou a abrir vantagem, chegando a 73,17 contra 46,92 uma semana depois.

A força de Bolsonaro no ambiente digital é explicada, segundo Novais, por uma estratégia de comunicação bem definida. “Todos os passos dele são calculados. Ele promove um encontro com motociclistas para que isso repercuta. Ele visita cidades do Nordeste, justamente o reduto eleitoral de Lula, para capitalizar, sem falar nas lives semanais e nas conversas com apoiadores no chamado ‘cercadinho’ do Planalto. Até as declarações polêmicas têm o objetivo de engajar seu eleitorado mais fiel. Já Lula prioriza, no momento, reuniões fechadas e negociações de bastidores, que não têm tanto apelo popular. Isso faz com que Bolsonaro seja muito forte nas redes sociais. Resta saber se esse panorama irá se manter e o impacto disso no mundo não virtual durante a campanha. Afinal, o eleitor mais pobre, até sem acesso à internet, também vota, e está insatisfeito”, explica Novais.

Tentando bagunçar o tabuleiro, Ciro Gomes contratou o jornalista e marqueteiro João Santana para ajudar na tarefa. Santana foi o responsável pelas campanhas vitoriosas de Lula, em 2006, e de Dilma Rousseff em 2010 e em 2014, quando era o marqueteiro oficial do PT. Na briga para representar a chamada “terceira via”, que uniria o centro em 2022, Ciro lançou uma série de vídeos na internet. Em um dos primeiros, atacou Bolsonaro, instando o brasileiro a considerar o presidente um “traidor” — “traiu a religião, porque defende a morte no lugar da vida, e prega o ódio, no lugar do amor e da superação; traiu as Forças Armadas, traiu a democracia, traiu nosso País”, disparou. Já o alvo do último foi Lula. Em uma produção de pouco mais de um minuto, ele afirma que o PT “levou o Brasil para um beco sem saída” e que só prometem “picanha e cerveja”. Foi o que bastou para a internet incendiar, já que o petista tem repetido que o povo perdeu o acesso a esses dois alimentos durante o governo de Bolsonaro, prometendo que, num hipotético terceiro mandato, os itens voltarão à mesa do brasileiro.

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“É uma tentativa do Ciro de se popularizar, de ganhar força no cenário virtual, e também atrair o eleitor de centro, insatisfeito tanto com Lula quanto com Bolsonaro. Em 2018 ele esteve muito ligado ao eleitor de esquerda e agora tenta ampliar a base, mas o risco é de não conseguir atrair esse eleitor e ainda se indispor com os de esquerda, que apostaram nele na última eleição. É arriscado, mas compreensível porque ele precisa se movimentar”, analisa Novais.

Enquanto a campanha não chega, parte da internet faz piada – como sempre. Desde março, quando Lula deu entrevista coletiva para comentar a anulação das condenações da Lava Jato, os memes se multiplicaram. No discurso, Lula defendeu o uso de máscaras e criticou o que chamou de “comportamento terraplanista”. Horas depois, em cerimônia oficial no Planalto, Bolsonaro surgiu de máscara em público – uma atitude pouco usual até então. A noite, durante a live semanal, um globo terrestre repousava sobre a mesa. As ações geraram um festival de piadas nas redes. Os adversários de Lula também não perderam tempo. Desde março, montagens, ironias e ataques ao ex-presidente, feitos no período em que foi preso, foram resgatados.

Dória também tenta se popularizar na internet. Nas últimas semanas, passou a responder com piadas as cutucadas de Bolsonaro e de aliados do presidente e até entrou em uma “guerra” dos cronogramas de vacinação com outros políticos. Após prometer imunizar todos os paulistas até outubro, respondeu com bom humor aos “desafios” de imunizar com mais rapidez propostos pelo prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes (PSD), e pelos governadores do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), e do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB) — estes dois, aliás, que também tentam aglutinar apoios para disputar o Planalto. Por fora, não dá para esquecer o ex-juiz Sérgio Moro, ainda indeciso se vai ou não para a briga.

Em meio à guerra, muitos eleitores seguem céticos. Para a fisioterapeuta Ana Carvalho, apesar das piadas, a situação mostra um cenário difícil. “Os memes divertem, mas é o tal do rir para não chorar. A polarização impede que temas importantes sejam debatidos, fica tudo superficial. É assim entre os eleitores e igual entre os candidatos. Sobra só as figurinhas no WhatsApp”, lamenta. Desiludido com a política, o vendedor autônomo Charles Rodrigues concorda. “Só pensam neles. Na eleição dizem que é o povo em primeiro lugar, depois fazem o que querem e a gente sofre e paga a conta. É difícil”, reclama.

Já a dona de casa Marli Aparecida Gonçalves acredita que o foco para 2022 é impedir o que ela chama de “volta ao passado”. “Os casos de corrupção que tivemos não podem voltar. Considero um absurdo tentar no futuro receitas do passado, que deram errado e mancharam nossa pátria”, critica. Já o mecânico Afonso Bruckner prega a defesa da democracia. “As instituições não podem ser ameaçadas como tem sido hoje. As melhorias na educação, na saúde, na segurança e na fiscalização do dinheiro público só virão se nossa democracia estiver sólida, sem riscos. Temos que defendê-la”, alerta.

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Para o cientista político Cláudio Novais, o cansaço do brasileiro vem se aprofundando. “A pandemia provocou uma necessidade de união contra um inimigo comum, o coronavírus. Mas não foi isso que os governantes entregaram. Então a sensação de desânimo, de ‘chega’, é visível no ambiente digital e pode pesar na disputa. Se um nome conseguir capitalizar esse sentimento, como Bolsonaro conseguiu capitalizar o sentimento antipolítica de 2018, pode se destacar. As reações na internet podem ser um termômetro disso. Porém, é cedo para uma avaliação certeira. Falta mais de um ano para a eleição, é preciso acompanhar como será a reação da economia e do emprego, que são determinantes para a decisão do eleitor. Lula tem um capital político forte, Bolsonaro deve se fortalecer se a economia reagir, Ciro ainda busca acertar o discurso, Dória quer a oportunidade mas talvez não se arrisque. As peças são conhecidas, mas o tabuleiro vai ter muita movimentação ainda”, prevê.

Sobre o comportamento do eleitor, Novais vê um “grande abismo” entre o que deveria ser prioridade e o que realmente acontece. “Não se discute projetos, políticas públicas, soluções reais para os problemas reais. O debate fica personalista, em torno das figuras que disputam o cargo e não necessariamente no que propõem. Claro que o perfil do governante é importante, mas precisa ser um pacote: a história do candidato, seu comportamento e o plano que ele tem para enfrentar problemas que se arrastam há décadas no país. Como disse, ainda é cedo para uma análise definitiva, mas corremos sim o risco de mais um grande Fla x Flu, com mais ressaca e polarização no pós-eleição”, lamenta. Os próximos meses, portanto, vão indicar quais reis, damas, torres e bispos irão se consolidar no tabuleiro. O xeque-mate está marcado para 30 de outubro de 2022.

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