Uma pesquisa do Datafolha, divulgada na última semana, apontou que 91% dos brasileiros pretendem se vacinar – ou já se vacinaram – contra a Covid-19, mostrando o maior interesse da população pelos imunizantes até hoje. Em dezembro, eram 73% e, em março, 84%. Apesar do interesse, só 18% dos brasileiros receberam a primeira dose e menos de 10% da população tomaram as duas doses da vacina. O relações públicas Osvaldo Andrade, de 34 anos, brinca que não vê a hora de os “idosos de mais de 30” serem chamados para vacinar. “Com essa nova onda e variantes mais perigosas, além do medo de precisar de atendimento médico e ter complicações, ou até perder a vida, há o desejo de voltar ao normal com segurança, de encontrar família e amigos, viajar. A vacina é o único passaporte para isso”, avalia.

Iniciada em janeiro, a campanha de imunização caminha arrastada, irritando a população. Um levantamento da Febraban (Federação Brasileira de Bancos) em parceria com o Ipespe (Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas) revelou que 81% dos brasileiros consideram a velocidade da vacinação no país insatisfatória e demorada e culpa a falta de preparação dos governos por isso. A demora na liberação de insumos vindos da China, que interrompeu a produção da Coronavac, no Instituto Butantan, e da Oxford/AstraZeneca, na Fiocruz, deve agravar a situação. Dimas Covas, diretor do Instituto Butantan, prevê uma vacinação lenta até setembro no Brasil.

Imagem ilustrativa da imagem A saída é o aeroporto: o turismo de vacina nos EUA
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Enquanto Andrade aguarda a chegada da agulhada de esperança com paciência, outros resolveram tomar atitudes distintas. Em Minas Gerais, 57 empresários, políticos e seus familiares decidiram burlar o PNI (Plano Nacional de Imunização), mas caíram no golpe de uma cuidadora de idosos, que se dizia enfermeira, e cobrou R$ 600 por dose de uma falsa vacina para a Covid-19, em abril. A Polícia Federal segue investigando o caso. Por outro lado, há quem aproveite as condições financeiras abastadas para buscar uma saída – e ela vem pelo aeroporto. Após a cidade de Nova York, nos Estados Unidos, ter liberado a vacinação de turistas, agências de viagem se movimentaram para levar brasileiros para lá.

O pacote é dividido em duas etapas. Na primeira, a pessoa viaja para um país que tenha as fronteiras abertas para viajantes do Brasil, como algumas ilhas do Caribe e países da América do Norte. O México tem sido o destino mais procurado. Ali, é preciso cumprir uma quarentena de 15 dias, antes de seguir para os Estados Unidos. Na hora de embarcar, um teste negativo de Covid-19, realizado até três dias antes, é exigido e, após a chegada, os turistas devem fazer um novo teste e ficar entre três e cinco dias isolados. A vacina preferida é a da Johnson & Johnson. Aplicada em apenas uma dose, é oferecida gratuitamente em centros de vacinação móvel instalados em vans, que ficam estacionadas em pontos turísticos como o Empire State Building, Times Square, Brooklyn Bridge, Central Park e High Line, entre outros. Há também incentivos para quem se imunizar, como ingressos para atrações, jogos de beisebol e museus. O objetivo é reaquecer o turismo de Nova York, uma das principais fontes de renda da cidade e que foi fortemente impactada durante a pandemia. Também é possível se vacinar sem a necessidade de comprovar residência em outros estados americanos, como Arizona, Louisiana, Texas, Alabama, Califórnia, Colorado, Indiana, Iowa, Michigan, Nova York, Nevada, Novo México, Ohio, Carolina do Sul, Tennessee, Virgínia e Flórida.

Uma das agências de viagem que oferece o pacote anuncia na internet “embarque imediato: México + Nova York para a vacina”. A oportunidade está acessível para quem desembolsar R$ 18.700, divididos em até 10 parcelas. Segundo a agente de viagens Fernanda Carvalho, a procura por viagens assim tem aumentado. “Na nossa agência, optamos por não criar um pacote exclusivo para vacinação, mas todo dia atendemos pelo menos 10 clientes perguntando sobre a possibilidade. Por enquanto, fechamos oito viagens com parada no México. Acredito que o preço ainda é um obstáculo, principalmente por causa da obrigatoriedade da quarentena de duas semanas antes de seguir para os Estados Unidos”, explica Carvalho, que tem negociado opções de R$ 15 mil a R$ 50 mil por passageiro. “Depende dos destinos que o cliente quer, o tipo de hospedagem, quantos dias quer ficar. A vacina é um objetivo, mas a maioria está aproveitando para passear também, depois de tanto tempo sem sair de casa”, analisa. Além das passagens e outras burocracias necessárias para a viagem, a agência também orienta sobre o agendamento da vacinação, que é feito on-line.

Se há quem parcele e busque opções mais baratas, tem quem não precise se preocupar com os custos. Na internet, ganhou fama o caso de um empresário da construção civil de São Paulo, que gastou R$ 450 mil para vacinar a família nos Estados Unidos. Aos 60 anos de idade e com comorbidades, ele estava próximo da fila de imunização no Brasil, mas não quis deixar a esposa, as filhas e os genros sem proteção. Os sete viajaram no final de abril. Segundo o empresário, não fazia sentido uma parte da família estar protegida e a outra não.

O relações públicas Osvaldo Andrade, que no início da matéria disse estar aguardando a vacina aqui no Brasil, diz que não vê problemas na “fuga” dos conterrâneos. “Confesso que, se tivesse tempo e dinheiro, iria também. Vejo muita gente julgando, criticando, mas se a pessoa tem condições financeiras e não é ilegal, por que não ir? É evidente que gostaria de já estar vacinado e sem precisar sair do país. Mas acho que o foco deve ser a pressão para que tenhamos mais vacinas aqui e não implicar com as alternativas que outros estão buscando”, sugere. A agente de viagens concorda. “Sou suspeita para falar, porque estou ganhando com as viagens. Mas para mim todo mundo ganha. A agência se movimenta, depois da estagnação do ano passado, quem viaja se vacina e fica protegido, e mais vacinas ficam disponíveis aqui, porque essas pessoas saem da fila. Enquanto isso, que o governo busque mais doses e apresse o cronograma aqui, para proteger o povo”, cobra Carvalho.

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Para o epidemiologista Celso Rezende, a prática é questionável. “Primeiro, viajar atualmente ainda é assumir um risco desnecessário. Depois, se uma dose é aplicada em um turista, significa que não irá para um cidadão daquele país. No caso dos Estados Unidos, estão com doses suficientes para toda a população. Mas será que o excedente não poderia ser enviado para outros países com menos recursos ou distribuídas mais igualitariamente mundo afora? A pandemia é um problema coletivo e as soluções precisam ser coletivas também. Alguns países concentrarem as vacinas enquanto outros sofrem com novas ondas é um grande risco. Quanto mais rápido frearmos a contaminação, menos chances de variantes surgirem e colocarem em risco a vacinação já consolidada”, argumenta, pedindo maior engajamento dos governos na busca por vacinas. “O vírus se espalha com rapidez, enquanto a vacinação vai a passos de tartaruga, por falta de planejamento. É preciso correr contra o tempo, para salvar vidas e conter o surgimento de novas variantes. E isso significa mais doses para nosso Plano Nacional de Imunização, que tem grande capacidade de vacinar com rapidez. Isso acontecendo, ninguém precisa viajar em busca de vacina”, complementa Rezende.

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Mercado imobiliário aquece em cidades-teste

Projetos de vacinação em massa do Ministério da Saúde e Instituto Butantan avaliam eficácia e cobertura da proteção

Imobiliárias da cidade de Serrana (SP), que participou de um projeto de vacinação em massa contra a Covid-19 do Instituto Butantan, registraram um pico na procura por compra e aluguel de imóveis após o anúncio do teste, em fevereiro. Nas buscas, que chegaram a quadruplicar, algumas pessoas diziam que a intenção era passar um período temporário na cidade, enquanto outros deixavam claro que o propósito era a vacinação – e nem o valor do aluguel era discutido. Quando a locação era inviável, até a compra era cogitada.

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Pelas regras da pesquisa, todos os adultos acima de 18 anos moradores da cidade, sem doenças graves, podiam participar da imunização, o que representa cerca de 30 mil moradores. Mas quem se animou em mudar temporariamente para cidade, precisou abortar a missão. A Secretaria Municipal de Saúde informou que um censo da saúde foi feito na cidade em 2020 e moradores que não participaram do levantamento de dados não podiam participar do chamado “Projeto S”, concluído em abril.

O mesmo aconteceu no setor imobiliário de outra cidade paulista, Botucatu. Escolhida pelo Ministério da Saúde para um estudo inédito da eficácia da vacina Oxford/AstraZeneca contra a Covid-19, as buscas por imóveis cresceram cerca de 70%. Para evitar a chegada de “forasteiros” em busca dos imunizantes, a prefeitura definiu que um dos critérios é ter comprovante de residência com data de no mínimo três meses. Na pesquisa, toda a população adulta ainda não imunizada será vacinada. O trabalho, iniciado em maio, deve durar oito meses, contando com a aplicação da segunda dose e o monitoramento dos vacinados.

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