O mais antigo livro dos sonhos conhecido é o papiro Chester Beatty, escrito em 1350 aC (antes de Cristo), que possivelmente é uma cópia de um escrito de 2000 a.C. Nele há imagens e possui uma lista de vários encantamentos e rituais mágicos cujo objetivo é evitar os efeitos dos sonhos ruins. O mais recente é o que está em fase em "construção", a hashtag #pandemicdreams (sonhos pandêmicos, em português) surgiu para aglutinar relatos dos sonhos que as pessoas têm tido nesse período de quarentena, muitos deles revelando que passaram a sonhar com mais frequência e com situações bastante inusitadas.

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Este período de pandemia provocado pela Covid-19 tem sido marcado pelo isolamento social. As pessoas têm evitado sair às ruas e também não podem se confraternizar como antes. Essa situação nova tem mexido com a cabeça das pessoas e tem até interferido no sono delas.

A professora de psicologia da Unifil, Giselli Gonçalves, relata que possivelmente há uma relação entre a quarentena e o aumento da frequência dos sonhos das pessoas. “Neste período de isolamento, as pessoas estão passando por um processo de introversão, ou seja, estão sendo compelidas a lidar mais diretamente com seus conteúdos internos, com seus sentimentos, suas próprias questões existenciais.” Segundo ela, situações de crise são propícias para compelir as pessoas à introversão e a revisão dos valores que norteiam suas vidas. “A atividade inconsciente costuma aumentar nesses períodos, e é possível percebê-lo se manifestando por meio das imagens oníricas, fantasias, devaneios, pensamentos a esmo, angústias, sentimentos até então desconhecidos, sintomas corporais, entre outros”, destaca Gonçalves.

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Questionada se a reclusão no ambiente doméstico possivelmente faz com que o nosso cérebro busque estímulos mais atraentes no mundo dos sonhos, a professora explica que o mundo do inconsciente tende a ser atraente para a consciência, pois ele contém o germe de desenvolvimento futuro para a consciência, contém os elementos que a consciência precisa integrar e desenvolver. “Os símbolos inconscientes exercem sobre a consciência poder de fascínio e de repulsa, simultaneamente e paradoxalmente. Ou seja, quando estamos diante de uma manifestação do inconsciente, ela sempre nos abala, nos afeta, nos toca. Nos convoca de alguma forma”, destacou. “A jornada de conhecimento desta esfera desconhecida que nos habita é extremamente importante, a consciência deseja e precisa do diálogo com o inconsciente, pois ali ela vai encontrar o que lhe falta.”

(Eu estou começando a achar meus sonhos estranhos mais divertidos que Netflix)

Os sonhos na história, na mitologia e na religião

Na mitologia grega, Morfeu é o deus dos sonhos e dispunha de grandes asas que o fazia vagar rapidamente de maneira silenciosa pelos mais distantes lugares do planeta Terra. Quando os homens repousavam, Morfeu assumia formas humanas e ocupava os sonhos de quem quisesse. Desse modo, os gregos acreditavam que uma noite bem dormida e seus vários efeitos positivos só seriam explicados pela presença dessa divindade em seus sonhos. Foi dessa história que surgiu a expressão “dormir nos braços de Morfeu”, embora muitos associem erroneamente Morfeu como deus do sono, quando na realidade o deus do sono é Hypnos.

Pintura em tela "Morfeu e Iris" de 1811 por Pierre-Narcisse Guérin
Pintura em tela "Morfeu e Iris" de 1811 por Pierre-Narcisse Guérin | Foto: Wiki Creative Commons

Na Bíblia, há mais de 700 referências a sonhos e visões, entre elas a visão de José carpinteiro, que foi avisado pelo anjo Gabriel que Maria carregava no ventre uma criança divina. Há também a história de José do Egito e o sonho do Faraó, com referência às sete vacas magras e às sete vacas gordas, que José interpretou como sete anos de fartura que seriam seguidos por sete anos anos de privação.

No candomblé os sonhos com conteúdos religiosos são identificados como mensagens dos orixás. No processo iniciático os sonhos são determinantes na elaboração do novo nome que o neófito recebe. Existem os chamados sonhos grandes que captam os recados das entidades e estabelecem um contato quase direto com o orixá.

No islamismo os sonhos dos profetas são chamados sonhos claros e não necessitam de interpretação. Um sonho incerto seria aquele em que a alma o altera e seria necessário interpretá-lo para restaurá-lo a forma mental do seu verdadeiro estado.

Na psicanálise, Sigmund Freud publicou o livro A Interpretação dos Sonhos, em 1899, que na época foi inovador ao abordar os processos inconscientes, pré-conscientes e conscientes envolvidos nos sonhos, incluindo sonhar, recordar e relatar o sonho.

Sigmund Freud
Sigmund Freud | Foto: Wiki Creative Commons

Segundo Freud (1915), sonhos são fenômenos psíquicos onde realizamos desejos inconscientes. Jaques Lacan, por sua vez, segue a linha freudiana e interpreta que o sonho seria realização de desejo. Para ele a realização de desejo em psicanálise não é de “desejo de”, mas, de “falta de”. Para Burrhus Frederic Skinner, outro estudioso sobre o tema, aquilo com que se sonha é produto de estímulos condicionados, discriminativos e reforçadores que estão presentes na história ambiental da pessoa. Além disso, Skinner valoriza o papel da privação e das emoções no comportamento de sonhar.

Outro pioneiro nesse campo foi Carl Jung que apontava que o sonho era um processo psíquico natural, regulador, equivalente aos mecanismos compensatórios do funcionamento corporal, que divergia da linha freudiana.

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