Há pessoas que transformam o que viram nos sonhos em algo criativo. Servem de ponto de partida para escrever livros, roteiros, músicas. Um exemplo disso foi a música Let it be, composta por Paul McCartney. A letra surgiu de um sonho em que a mãe do beatle (a "mother Mary" da letra), já morta, dizia a Paul: "Vai dar tudo certo". A psicóloga Giselli Gonçalves destaca que há um aspecto do inconsciente, que não é formado por repressão. “É uma camada psíquica arcaica, que pertence a toda a humanidade. Jung chamou essa camada de inconsciente coletivo. Nela, estão os temas universais da experiência humana. Estes temas criam a consciência, fornecem as bases para o desenvolvimento psicológico.”

Ela destaca que o solo de onde brotam os sonhos e as obras de arte é o mesmo: o terreno fértil do inconsciente. “Por isto, como o sonho é uma mensagem deste mundo desconhecido em nós, também a arte o é. A arte traz uma mensagem do inconsciente coletivo para os povos, ou seja, aponta caminhos, valores, conteúdos que a consciência coletiva precisa integrar, em prol de uma desejável inteireza”, diz

Museu Salvador Dalí

icon-aspas "O solo de onde brotam os sonhos e as obras de arte é o mesmo: o terreno fértil do inconsciente"

“Se a psique é uma totalidade, exercitar somente a razão é prescindir de uma parte importante, que é o aspecto afetivo, relacional, que é inalienável a nós. Então, o sujeito vai entrar em sofrimento por esse desequilíbrio e a psique vai enviar, via sonhos, ou via produções artísticas – no caso do artista – imagens que ajudem a integrar essa parte que falta.”, aponta. Ela explica que o mesmo acontece com uma cultura. “

Uma cultura exclusivamente racional, que reprima o sentimento, terá essa necessidade de integração anunciada nas produções dos artistas. O artista é um radar que capta essas imagens do inconsciente coletivo e nos dá elas de presente, para que possam ser assimiladas. Por isto, o artista é um elemento fundamental para a inteireza da alma de uma sociedade. A arte clareia a visão daquilo que está obscurecido em nós. A arte fala daquilo que não conseguimos expressar com palavras. Por isso, a contemplação da arte, por si só, pode nos trazer experiências de preenchimento, de sentido, de completude. A arte, sabemos, é terapêutica.”

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Estudantes da UEL relatam seus sonhos pandêmicos

A pandemia obrigou o Governo do Estado a suspender as aulas nas universidades e todos os alunos se viram na inusitada situação de isolamento. Esse confinamento involuntário gerou ansiedade nos estudantes e muitos passaram a ter sonhos diferentes dos usuais.

A estudante do primeiro ano de Relações Públicas da UEL (Universidade Estadual de Londrina), Isabela de Mello Vicente, 18, sempre sonhou bastante, mas com a quarentena a frequência aumentou e tem ocorrido todas as noites. “Antigamente sonhava duas ou três vezes por semana. Com a quarentena os sonhos se tornaram cada vez mais estranhos. São coisas que nunca vivi. Antes a maioria das coisas que sonhava eram com situações que já tinha vivido ou visto”, relatou. Um dos sonhos durante esse período da pandemia foi dela participando de uma festa dentro de um parque aquático. “Era um lugar que nunca tinha ido e era uma festa de uma pessoa que não conhecia. Nunca vi o rosto dessa pessoa”, relembrou. “Outro sonho se passou na Bahia. Eu estava com a minha avó e tinha uma menina bem pequena de aproximadamente oito anos de idade. Mas a gente foi de lá para uma festa nos EUA, quando vi a menina havia se cortado e estava cheia de sangue. Eu tenho pavor de sangue e os meus sonhos são bem realistas. Esse da menina que tinha se cortado eu acordei e disse Meu Deus. Parecia real”, relembrou.

Isabela Mello: " Com a quarentena os sonhos se tornaram cada vez mais estranhos"
Isabela Mello: " Com a quarentena os sonhos se tornaram cada vez mais estranhos" | Foto: Arquivo Pessoal

Um terceiro sonho de Vicente foi de uma ida dela a um festival de música. “Sonhei que tinha acabado quarentena, porque tinham achado a cura da Covid-19. Esse festival de música estava com muitas pessoas: meus amigos, meus pais e meus avós. Era uma coisa bem improvável, pois meus pais e meus avós apreciam outro tipo de música e lá tocava mais música pop, mais jovem. Acordei confusa. Até tinha achado que tinham descoberto a cura mesmo.” Segundo ela, talvez esse sonho seja um desejo. “São coisas que a gente tem na nossa mente e ficam guardadas. Quando sonho vem, elas vem à tona”, analisa.

icon-aspas "Sonhei que tinha acabado quarentena, porque tinham achado a cura da Covid-19. Esse festival de música estava com muitas pessoas: meus amigos, meus pais e meus avós"

Como ela não está tendo aula, sua vida fica marcada pela monotonia. “Não tenho o que fazer. Fico vendo filmes e seriado e às vezes acontece das pessoas que surgem nos meus sonhos se parecerem com atores dos filmes, mas as situações são bem diferentes”.

Eu acho que esses sonhos são provocados pela ansiedade mesmo. Isso acaba afetando as pessoas. Essa questão de ter de ficar em casa aumenta a saudade das pessoas.”

"Noite passada eu sonhei que minha consciência era um ponto de luz imerso numa substancia gelatinosa que era o meu cérebro, Que estranho!"

A estudante do segundo ano de Letras na UEL, Kawane Isabely Pereira, 19, relatou que sonhou que sua irmã mais velha viria a Londrina para passar a quarentena em sua casa. “Eu e minha irmã nunca fomos próximas. Sempre brigávamos por tudo. Ela é oito anos mais velha que eu e hoje ela mora em Florianópolis e às vezes vem me visitar. No sonho, ela ligou e disse que resolveu passar a quarentena aqui em casa. Fiquei irritada com isso, pois não nos damos bem. Fiquei pensando onde eu poderia passar para não ficar perto. Liguei para minha melhor amiga e perguntei se podia ficar na casa dela. Enquanto ligava eu ficava andando na minha casa para lá e para cá. Quando fui para a cozinha, ainda no telefone com minha amiga, entrou um filhote de elefante pela porta. Ele subiu no sofá que tem aqui na cozinha, e deitou do mesmo jeito que meu cachorro deita. Fui correndo chamar meu irmão e ficamos fazendo carinho nele, como se não fosse nada estranho. Resolvemos que deveríamos devolver ele de onde ele veio (não sei o lugar). Colocamos ele em uma caixa e devolvemos”, relembrou Pereira.

Obras de artista surrealista contemporâneo brasileiro Gustavo Prata

Ela acredita que o sonho surgiu depois que sua irmã ligou para falar com a sua mãe sobre a quarentena. “Talvez eu só tenha associado uma coisa a outra”, cogita.

Sobre a aparição do elefante no sonho, no começo ela acreditou que ele apareceu porque elefante é um animal muito família. “Mas não sei. Não é a primeira vez que tenho sonhos sem sentidos na quarentena, por isso não fiquei pensando nesse”, destacou.

Pereira afirma que geralmente não se lembra dos seus sonhos depois de um tempo. “Lembrei desse específico, porque contei para minha amiga e postei no Twitter. Mas acredito que os sonhos esquisitos tenham surgido por causa da quarentena, pois nunca fui de ter sonhos assim”, destacou. Ela informa que no começo da quarentena chegou a ter insônia e ansiedade.

Para superar a solidão do isolamento ela tem tentado se divertir sozinha. “Eu tenho feito coisas que eu gosto: converso com os amigos por vídeo chamada e assisto muitos filmes e muitas séries. Eu sempre fui uma pessoa muito ativa, trabalhava o dia todo, fazia inglês nos sábados e ia para a faculdade à noite. Agora fico em casa. Tento manter uma rotina dentro de casa, horário para estudar inglês, ler, ver algumas coisas da faculdade, fazer exercícios.”

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