No último dia 25, o prefeito de Londrina, Marcelo Belinati (PP), decretou estado de calamidade pública na cidade devido à pandemia do novo coronavírus. No decreto, o prefeito cita que, por conta das medidas tomadas para evitar o contágio, houve redução da atividade econômica e que as finanças públicas e as metas fiscais e de arrecadação podem estar "gravemente comprometidas". Com a declaração, a prefeitura decretou ainda a dispensa de licitação para a compra ou contratação de serviços para o enfrentamento da doença.

Imagem ilustrativa da imagem Calamidade pública  | Londrina em Estado de exceção
| Foto: Fábio Alcover/31-1-2018

De acordo com a Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil, órgão ligado ao Ministério do Desenvolvimento Regional, 35 municípios e 22 estados brasileiros tiveram estado de calamidade pública ou situação de emergência reconhecidos pelo Governo Federal até o dia 28. A medida possibilita a obtenção de diversas vantagens do governo, como por exemplo a antecipação de benefícios sociais, liberação de seguros, prorrogação de pagamentos de empréstimos federais, entre outros auxílios. Os decretos também são utilizados em outras situações de tragédia. Minas Gerais, em janeiro do ano passado, decretou calamidade pública no estado após a ruptura da barragem da Vale, em Brumadinho.

Mas o que significam esses decretos? Quais os impactos e riscos?

O primeiro ponto é esclarecer as diferenças entre essas possibilidades que constam na Constituição Federal: situação de emergência e estados de calamidade pública, de defesa e de sítio.

Conceitos semelhantes, situação de emergência e estado de calamidade pública são frequentemente confundidos. Segundo o professor Osvaldo Andrade, especialista em Direito Constitucional, a diferença entre os dois é simples. “Enquanto a situação de emergência se refere à possibilidade iminente de surgirem danos à saúde, à população e aos serviços públicos, na calamidade pública já existe a ocorrência efetiva dos danos, que deixam de ser uma hipótese, passando a algo concreto”, explica.

No país, antes da confirmação do primeiro caso de Covid-19, o Ministério da Saúde publicou uma portaria declarando emergência na saúde pública, por se tratar de perigo iminente de contágio e disseminação do vírus. Após as diversas confirmações de casos do novo coronavírus no Brasil, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), com aprovação do Congresso, decretou estado de calamidade pública. "Com ele em vigor, o governo federal pode destinar mais recursos à saúde sem cometer um crime de responsabilidade fiscal", complementa Osvaldo.

A aprovação dos parlamentares é importante porque é o Congresso Nacional o responsável por aprovar a Lei Orçamentária Anual (LOA), documento que determina os valores a serem gastos ao longo do ano e o teto de cada uma das áreas. Do valor total do orçamento aprovado, de cerca de R$ 3,6 trilhões, R$ 135 milhões seriam destinados ao Ministério da Saúde neste ano. Com a aprovação do estado de calamidade, o valor pode ser ultrapassado.

22 Estados brasileiros estão com estado de calamidade pública reconhecidos pelo Governo Federal, incluindo o Paraná. Na foto, a cidade de Curitiba em abril de 2020
22 Estados brasileiros estão com estado de calamidade pública reconhecidos pelo Governo Federal, incluindo o Paraná. Na foto, a cidade de Curitiba em abril de 2020 | Foto: Daniel Castellano/AFP

Outro ponto importante é a atenção à Lei de Responsabilidade Fiscal. Municípios, estados e União são obrigados a seguir os parâmetros da LRF, que impõe um controle dos gastos, respeitando a capacidade de arrecadação de tributos. Com a decretação de estado de calamidade pública nacional, o Congresso flexibilizou parte dessas obrigações para o governo federal. Estados e municípios também passam a ter uma margem maior para os gastos. “Em um momento de grande crise como esse, em que tudo sai do normal, do planejado, medidas assim são importantes para não impossibilitar ou atrasar as ações do Poder Executivo, que precisa dar uma resposta rápida à população”, argumenta Osvaldo.

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E quanto aos riscos? O professor alerta para a dispensa de licitações para prestação de serviços e compras de emergência, por exemplo. “É fundamental que o Poder Executivo tenha transparência, austeridade e lisura nos gastos, e que o Poder Legislativo exerça com vigor e extrema atenção seu papel fiscalizador, para que os recursos sejam realmente aplicados na contenção dos efeitos da pandemia, sejam eles sanitários ou econômicos, sem superfaturamento ou desvios”, aponta.

OUTRAS EXCEÇÕES — Há ainda a possibilidade de decretação dos estados de defesa e de sítio. O estado de defesa, previsto no artigo 136 da Constituição, tem como objetivo a preservação ou restabelecimento, em locais restritos e determinados, da ordem pública ou da paz social, quando ameaçadas por grave e iminente instabilidade institucional ou atingidas por calamidades de grandes proporções.

O decreto que o institui deve trazer o tempo de duração e especificar as áreas de abrangência, além de permitir a adoção de medidas coercitivas, como a restrição dos direitos de reunião, do sigilo de correspondência e do sigilo de comunicação telegráfica e telefônica, bem como a ocupação e o uso temporário de bens e serviços públicos, “respondendo a União pelos danos causados e custos decorrentes”. O tempo de duração não pode ser superior a 30 dias, podendo ser prorrogado uma única vez, por igual período.

Já o estado de sítio está descrito nos artigos 137 e 139 e pode ser aplicado nos casos de “comoção grave de repercussão nacional” ou “ocorrência de fatos que comprovem a ineficácia de medida tomada durante o estado de defesa e declaração de estado de guerra ou resposta a agressão armada estrangeira”.

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| Foto: iStock

Diferente do estado de defesa, que é voltado a um local restrito e determinado, como uma cidade ou uma unidade federativa, o estado de sítio tem abrangência em todo o território nacional. Não há prazo fixo para ele, portanto o decreto precisa estabelecer período de duração, as normas necessárias à execução e as garantias constitucionais que ficarão suspensas. Entre elas estão a “obrigação de permanência em localidade determinada”, “detenção em edifício não destinado a acusados ou condenados por crimes comuns”, “restrições relativas à inviolabilidade da correspondência, ao sigilo das comunicações, à prestação de informações e à liberdade de imprensa, radiodifusão e televisão”, “suspensão da liberdade de reunião”, “busca e apreensão em domicílio”, “intervenção nas empresas de serviços públicos” e “requisição de bens”. O prazo máximo é de 30 dias, que podem ser prorrogados quantas vezes for necessário, a depender da situação concreta.

"Estados de defesa e de sítio são situações extremas, pois além de restrições à liberdade de imprensa, por exemplo, permite que o poder público restrinja o direito de ir e vir do cidadão", explica Osvaldo Andrade. E ele complementa. "Nas duas hipóteses, o pedido feito pelo presidente da República precisa ser confirmado pela maioria absoluta do Congresso Nacional. Portanto, é algo bastante sério e demanda muito debate acerca da necessidade real e das implicações que pode trazer, com um grande poder nas mãos do chefe do Executivo. É preciso, então, vigilância de todos para impedir que ações tomadas com o pretexto de combate à essa pandemia que enfrentamos se transformem em possibilidade de fragilização das instituições democráticas do país", alerta.