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Reportagem 5m de leitura

Pesquisadores brasileiros e italianos descobrem novo elo na evolução humana

Grupo do qual professor da UFPR faz parte mostra que ancestrais saíram da África antes do que se pensava

ATUALIZAÇÃO
12 de julho de 2019

Rafael Costa - Grupo Folha
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Curitiba - Uma pesquisa liderada por brasileiros e italianos, incluindo um professor da UFPR (Universidade Federal do Paraná), descobriu evidências de que os ancestrais humanos começaram sua dispersão além da África antes do que se pensava. O achado do grupo pode preencher uma lacuna na evolução humana e ajudar a explicar a diversidade dos fósseis de hominídeos encontrados na Ásia.

Arqueólogo italiano Fabio Parenti é professor da UFPR desde 2011
 

Os cientistas encontraram no vale do rio Zarqa, na Jordânia, pedras lascadas depositadas em formações que chegam a 2,48 milhões de anos. Trata-se de uma evidência da presença de hominídeos na região conhecida como Levante, no Oriente Médio, que é considerado o “corredor natural” entre a África e a Ásia. Os artefatos antecedem em cerca de 300 mil anos as evidências mais antigas fora da África até então, encontradas na China. A data sugere que os artefatos não foram feitos pelo Homo erectus, considerado o ancestral humano mais antigo fora do continente.

 

A descoberta será publicada na primeira edição de setembro da revista científica “Quaternary Science Reviews” e foi oficialmente divulgada na última segunda-feira (8). Na quinta (11), o arqueólogo italiano Fabio Parenti, desde 2011 professor da UFPR, falou sobre a pesquisa para uma plateia de cerca de 80 pessoas no Museu Paranaense, em Curitiba. “Há 25 anos estou mostrando essas pedras e é a primeira vez que tenho mais de oito pessoas na plateia”, brincou, em uma entrevista concedida à FOLHA antes de uma segunda sessão, marcada por excesso de procura.

O grupo de pesquisadores — que inclui Walter Neves e Astolfo Araujo, da USP (Universidade de São Paulo), e Giancarlo Scardia, da Unesp (Universidade Estadual Paulista) — foi ao vale no rastro de um antigo projeto de Parenti. O arqueólogo já havia escavado o local nos anos 1990 a convite de uma equipe italiana. Ao longo de cerca de três anos, encontrou centenas de artefatos e até fósseis de animais (embora poucos e “por sorte”) no vale. Quando chegou ao Brasil, afugentado pela queda de financiamento a pesquisas na Itália nos anos 2000, apresentou o projeto aos colegas na USP, onde lecionava como visitante.

Neves obteve financiamento da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) e o grupo saiu em missões entre 2013 e 2015 — período em que descobriram que o sítio era bem mais antigo do que o milhão de anos estabelecido por uma equipe francesa ainda nos anos 1980. A nova datação, que é uma peça-chave para todo o barulho em torno da descoberta, foi feita por meio de técnicas como o paleomagnetismo.

Parenti diz que os significados do novo marco encontrado pelo grupo ainda são difíceis de serem dimensionados. Ele diz que tende a ver o Levante como um possível berço evolutivo, embora não chegue a sugerir, como faz Neves, com base nas datas dos fósseis documentados na África, que as pedras foram lascadas pelo Homo habilis — ancestral anterior ao H. erectus, até então o hominídeo mais antigo encontrado na Eurásia.

Na falta de fósseis na região, diz apenas que “primatas com estrutura neurológica para a fabricação de artefatos” estiveram ali, mas que não se sabe “quem” eram — já que diferentes espécies de australopitecos viveram na mesma faixa cronológica.

O H. habilis, contudo, seria o melhor candidato a autor dos instrumentos — e, portanto, a primeiro ancestral a se aventurar fora da África. Ele seria o elo para resolver o problema da diversidade na Ásia, onde foram encontrados crânios muito diferentes — todos atribuídos ao H. Erectus, cujo fóssil mais antigo fora da África tem 1,8 milhão de anos e foi encontrado em Dmanisi, na Geórgia.

Crânios muito diferentes com a mesma datação, naquela época, são indícios de uma antiguidade de povoamento. E nós provamos que alguém já tinha passado por lá muito tempo atrás”, explica Parenti. “A idade explica a diversidade na Ásia”, diz. “Aos poucos, está sendo desmantelado o modelo da ‘Out of Africa 1’”, explica, referindo-se à teoria que sustenta que a espécie não migrou da África antes do H. sapiens.

Há a possibilidade de o Oriente Médio ter fornecido espécies em ambas as direções”, especula Parenti. “É um corredor biogeográfico e, como tal, um possível local de hibridização de espécies. Mas tudo isso é papo enquanto não há fósseis”, comenta. Segundo o arqueólogo, a região não conserva bem os fósseis. Logo, a probabilidade de descoberta é incerta. Contudo, o italiano ainda pretende cavar mais fundo, no sentido figurado. “Se encontrar um fóssil, concluiria a carreira com algo glorioso. Fósseis humanos são raros, o que explica por que são cobiçados, geram tanta briga, ciúme, assassinatos”, conta. “Não entro nessa. Fico com minhas pedrinhas. Se achar um fóssil vou chamar um paleontólogo e ele se vire com os colegas”, diz.

O retorno ao vale, em 2020, está "praticamente" acertado. Desta vez, se depender de Parenti, com a participação de colegas na UFPR. O italiano ainda é o único que cuida de pré-história antiga no departamento de Antropologia da universidade. Diz que gostaria de ver a abertura de um curso de Arqueologia — mas reconhece que o momento não é o mais propício. Diz, contudo, que tem tido na instituição e no País um apoio que já não tinha na Itália. A implantação de uma “escola” de arqueologia paleolítica brasileira também está entre os planos do grupo a longo prazo, mas a visão do arqueólogo sobre a área é global. “Que seja Jordânia, que seja Brasil. Que importa? O importante é que seja bem feito”, defende.

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