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Opinião 5m de leitura

DIAGNÓSTICO SEGURO - Novos critérios para morte encefálica

ATUALIZAÇÃO
23 de janeiro de 2018

Viviani Costa<br>Reportagem Local
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Vinte anos após resolução criada para definir o diagnóstico de morte encefálica, o CFM (Conselho Federal de Medicina) publicou novos critérios para a realização do procedimento. A intenção do órgão federal é dar mais segurança às famílias dos pacientes e aos profissionais da saúde. No entanto, em um primeiro momento, algumas alterações foram vistas como incentivo para estimular o aumento do número de transplantes de órgãos no País.

Entre as mudanças está a qualificação dos profissionais exigida para o diagnóstico. Antes, um dos dois médicos da equipe deveria ser obrigatoriamente neurologista. Pela nova resolução, um dos profissionais pode possuir uma das seguintes especialidades: medicina intensiva adulta ou pediátrica, neurologia adulta ou pediátrica, neurocirurgia ou medicina de emergência. O outro integrante deve ter, no mínimo, um ano de experiência no atendimento a pacientes em coma, ter acompanhado ou realizado pelo menos dez determinações de morte encefálica ou ter cursado capacitação na área.

Para o médico integrante da Câmara Técnica de Morte Encefálica do CFM e vice-presidente da Sociedade Brasileira de Bioética, Gerson Zafalon Martins, as alterações não têm relação direta com a possibilidade de aumento no número de transplantes de órgãos no País. Assim como no documento anterior, os médicos que realizam o diagnóstico não podem fazer parte das equipes de transplante. "Quem vai fazer transplante precisa do diagnóstico de morte encefálica e quem não vai fazer também precisa. Queremos um diagnóstico seguro para todos para que ninguém seja enterrado ou doe órgãos com alguma dúvida da família ou da sociedade", ressaltou.

Por que só agora houve a necessidade de aprimorar o diagnóstico de morte encefálica?
A lei que originou tudo é de 1997. É a lei 9.434. Essa lei diz que o Conselho Federal de Medicina deveria normatizar o assunto. O Conselho, ainda em agosto de 1997, editou a resolução 1.480 com o protocolo de morte encefálica. De lá pra cá se passaram 20 anos. Nesse período foram feitos mais de 100 mil diagnósticos de morte encefálica no Brasil, sem nenhum problema. Mas as mudanças foram necessárias em função da evolução da medicina nesse período: número de médicos, novos exames... Após 20 anos, não que essa regulamentação tenha ficado velha, mas precisava de uma atualização.

Nesse período, também surgiram muitas dúvidas de médicos que queriam saber questões muito específicas. O manual que saiu na resolução atual explica como devem ser feitos os exames, a forma adequada, os motivos... Era uma resolução simples e agora está mais minuciosa. A resolução 2.173/17 é muito boa e detalhada. Ela vale inclusive para todos os doentes que estão em coma irreversível. Não tem relação com a possibilidade de transplante. O protocolo de morte encefálica precisa ser feito em todos os pacientes que estão com quadro clínico irreversível. Esse diagnóstico permite, por exemplo, desligar os aparelhos, explicar para a família os procedimentos realizados e não ficar ventilando e dando medicamento para alguém que não vai reagir. Essa é a realidade.

Quais são as principais mudanças entre uma resolução e outra?
Na nova resolução, por exemplo, o paciente tem que estar em coma, com apneia, que é quando a pessoa não está respirando consistentemente, a lesão encefálica tem que ser de causa conhecida e irreversível e o paciente não pode estar sob efeitos de medicamentos. Quando não há mais o que fazer pelo paciente e quando está definida a causa conhecida e irreversível, aí é preciso fazer o protocolo. O paciente tem que estar com temperatura superior a 35º, ele tem que estar bem oxigenado, a pressão tem que estar em um número predefinido e isso tudo facilita os médicos a fazerem o diagnóstico.

Antes dessa resolução não era predeterminado quando era preciso começar o protocolo do diagnóstico de morte encefálica. Hoje nós falamos o seguinte: o tempo de observação para que seja iniciado o protocolo tem que ser de seis horas. Nesse período, a equipe médica e multiprofissional tem que fazer tudo para que a pessoa melhore. Então há bastante tempo para que o paciente possa reagir.

Mas e naqueles casos em que as pessoas ficam anos em coma e depois voltam...
Aí não tem morte encefálica. Isso é coma vegetativo, que é outra coisa. Nesses casos, os exames e o protocolo não vão ser feitos. Nós não faremos. Quando há morte encefálica, o paciente não vai voltar, com certeza absoluta.

O protocolo atual segue modelos implantados em outros países?
O protocolo de morte encefálica do Conselho Federal de Medicina é um dos mais rigorosos do mundo. Eu diria que é o mais rigoroso. Tem países que não exigem exame complementar, nós exigimos. Tem países em que o diagnóstico é só clínico, só médico, às vezes, só de um médico. Nós aqui exigimos dois médicos e que não façam parte da equipe de transplante. O nosso protocolo é muito seguro.

Os profissionais da saúde têm tido muitas dúvidas sobre a nova resolução?
A resolução traz uma boa referência bibliográfica e tem a fundamentação do que foi feito. No anexo I há um manual com todos os procedimentos, pré-requisitos e exames complementares. O médico vai ver e vai verificar o que fazer e como fazer. Técnicas, interpretação de resultados, repetições de exames, entre outros detalhes.

Os exames são complexos ou podem ser feitos em hospitais mais simples, em todas as regiões do Brasil?
Tem arteriografia, no qual você vê as carótidas e a circulação sanguínea cerebral, tem o eletroencefalograma... Mas aí entra também a questão de dar suporte de referência para esses hospitais. Há cidades vizinhas em que um médico capacitado pode ir até lá para repassar as orientações, por exemplo. Os aparelhos podem ser transportados. Isso tudo é para tranquilizar as famílias. Não temos dúvidas de que essa resolução é muito rígida. É muito sensata. Não dificulta, nem facilita. Faz tudo para deixar a família e a equipe médica tranquilas. A família também pode indicar um médico conhecido para acompanhar o protocolo.

Há expectativa de aumento no número de transplantes a partir de agora?
Não há relação entre a resolução e o transplante de órgãos. Isso tudo não foi feito para aumentar ou diminuir transplantes de órgãos no País. É para diagnosticar que uma pessoa está morta. Se a família vai doar os órgãos ou não, isso é outra coisa. Se não vai doar os órgãos, vai fazer o velório e prestar as homenagens. Mas não se relaciona com transplante. A realidade é que temos falta de UTI no Brasil.

Já para aumentar a quantidade de transplantes é preciso fazer uma campanha específica de doação de órgãos. O diagnóstico de morte encefálica é para dizer que uma pessoa que está em coma irreversível está de fato morta. Muitas vezes a pessoa ainda está quente, em ambiente aquecido, o coração está batendo porque está com drogas que estão fazendo o coração funcionar, ela está respirando porque está entubada e oxigenada e a ideia de morto é de uma pessoa pálida, fria e sem batimentos. Feito o diagnóstico da morte, você pode desligar os aparelhos e aí a família decide se os órgãos vão para transplante ou não, quando possível.

Há ainda muita desconfiança da população sobre o diagnóstico de morte encefálica. Como o Conselho pretende aproximar esse conteúdo técnico das famílias mais simples em um momento de fragilidade?
A relação médico-paciente, nessa situação, deve ser mais cuidadosa ainda para explicar que vão ser feitos dois exames clínicos com médicos diferentes, capacitados e que confirmem que houve o óbito. É preciso fazer um teste chamado de apneia e ainda tem um exame complementar que todos os locais têm a possibilidade de fazer. A família tem que estar ciente que foi feito de tudo para recuperar o paciente e que depois, quando a equipe viu que não havia a possibilidade de recuperação, ainda foi feito um protocolo para chegar à conclusão de que o paciente está morto. Quem vai fazer transplante precisa do diagnóstico de morte encefálica e quem não vai fazer também precisa. Queremos um diagnóstico seguro para todos para que ninguém seja enterrado ou doe órgãos com alguma dúvida da família ou da sociedade.

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