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Carnaval é festa de rua e a real afronta à burocracia e ao falso moralismo

Este é o enredo do filme Footloose, mas bem que se parece com as notícias de Londrina da última semana

ATUALIZAÇÃO
14 de fevereiro de 2024

Luís Fernando Wiltemburg
AUTOR

Imagine só essa história: uma pessoa vinda da cidade grande descobre que o estilo musical e a dança do momento estão proibidos na localidade do interior, de características conservadores, onde foi residir. A medida foi tomada pelos conselheiros municipais e é garantida à risca pela autoridade constituída, o xerife, com total apoio do líder religioso, arauto da família tradicional e dos bons costumes.

Este é o enredo do filme Footloose, mas bem que se parece com as notícias de Londrina da última semana para, quem sabe? Algum universitário recém-chegado?

Na película, o “Ritmo Louco” – subtítulo que recebeu no Brasil – era o rock, ao menos, na versão de 1984. Na Londrina de 2024, talvez seja o samba, o funk, o pop ou outro estilo musical que virou hit nos blocos, nos trios elétricos e nos salões Brasil afora.

Pois bem, como jornalismo é contextualização, vamos recordar o noticiário dos últimos dias. A prefeitura de Londrina havia feito uma programação para celebrar o Carnaval na cidade. Para o domingo, talvez, o dia mais movimentado, programou a apresentação do tradicional bloco do Bafo Quente. A ideia original era o anfiteatro do Zerão, mas, por orientação de segurança do Corpo de Bombeiros, foi transferido para o CSU (Centro Social Urbano) da Vila Portuguesa, na zona leste. Isso ainda é janeiro.

No dia 5 de fevereiro, vem à tona que o Ministério Público emitiu recomendação administrativa para que a administração municipal reavaliasse o carnaval no CSU por preocupações ambientais. Dois dias depois, os bombeiros afirmam que o pedido de autorização, feita em cima da hora, previa um público dezenas de vezes menor que o registrado na festa do ano passado. E a prefeitura, o que fez? Não sabemos exatamente, até que resolve se pronunciar, na quinta-feira, para confirmar o cancelamento do evento.

Bom, a história não para por aí. Nas redes sociais, representantes dos bons costumes questionam por que gastar verba pública com festa. Uma vereadora aproveita a onda e propõe a proibição de dinheiro público para custear eventos de lazer e cultura nas ruas de Londrina, a tradicional pauta reacionária de tirar mais um pouquinho de direito e de acesso à verba pública que a população tem. E, a ver pelas manifestações em redes sociais, outros parlamentares já estão de prancha pronta para surfar no tema.

Voltando às raízes do Carnaval, a festa teve origem em rituais pagãos, mas foi adotada pela Igreja Católica nas vésperas da Quaresma, período de abstenção de prazeres, entre eles, o consumo de carne.

Mas, na verdade, o Carnaval era o momento de subversão, quando os plebeus zombavam, riam e destronavam a realeza, a nobreza e o clero. Isso tudo feito nas ruas, quisessem os opressores ou não. Na Itália, a origem está na Lupercália, a festa das divindades infernais – para os romanos, era uma festa de purificação.

Talvez tudo isso explique a ojeriza que alguns burocratas e reacionários - de templos, parlamentos ou de casa, mesmo - possam ter ao Carnaval, mas, estudiosos mostram que a festa do riso e do grotesco era o momento que dava alguma razão e sentido à existência daqueles desprovidos de motivos para terem fé na vida.

Como bem sugeriu a editora do Folha 2, Célia Musilli, nesta semana, chegou a hora de o Carnaval em Londrina retornar às ruas. Claro, com serviços públicos, como água potável, banheiro e lixeiras, mas, sem a burocracia que, em seu efeito prático, só dificulta a vida do cidadão. Que tal reerguer as escolas de samba e seus belos e inclusivos desfiles?

Londrina deixou o samba morrer – “de burocracia”, como bem diagnosticou a Célia –, mas a ressurreição da festa está nas atitudes da juventude festiva e sedenta de lazer e cultura, a despeito das autoridades e do reacionarismo falso moralista. Assim como fizeram as personagens de Kevin Bacon, Lori Singer, Chris Penn e Sarah Jessica Parker no filme de 1984. Ao menos lá, a alegria venceu.

Luís Fernando Wiltemburg, jornalista

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