Nossa escola rural ficava próximo da nossa casa, no sitio do meu avô materno Antônio, que cedeu o terreno na cabeceira da propriedade para prefeitura construir a escolinha. Hoje fico pensando como nossa professora tinha a capacidade de ensinar, na mesma sala e no mesmo horário, as quatro séries do grupo. Ainda ela vinha da cidade de bicicleta, trazendo sua marmita. Uma heroína! Mas sempre com muito amor e carinho pelos seus pequenos alunos. E nós, com nossos guarda-pós branco, as vezes já sujos como resultado das subidas nas árvores frutíferas que encontrávamos pelo caminho. Levávamos dois embornais, um com os materiais escolares e o outro com as bolotas de barro que fazíamos na beira do riacho no fundo do sitio. O estilingue ia pendurado no pescoço, só tirando ao entrar na sala de aula. As carteiras da escola eram para sentar 2 alunos. Tinha uma fila para cada série. Para apagar o quadro negro era sempre uma disputa, muitas vezes a professora tinha que escalar o aluno para esse “trabalho”. O mais encrenqueiro era o Elias, um polaquinho sardento, com cabelo cortado estilo “bodinho”, muito usado na época, e que tinha os dentes da frente separados. Como ele dava trabalho para a professora! Só arrumava encrencas com os colegas. Anos depois ouvi dizer que ele se tornou pastor. Isso não tenho certeza. Mas o dia que mais gostávamos era os sábados, porque tínhamos só uma hora de aula e a seguir lavávamos a escola. Nossa professora tirava água do poço e as crianças lavava. Tudo muito divertido. Outra coisa é que nossa escola rural tinha um calendário diferente da cidade, ou seja, as férias do meio do ano eram de três meses, que era para todos ajudar na colheita de café, e em dezembro tínhamos trinta dias.

Imagem ilustrativa da imagem DEDO DE PROSA| Sete de setembro na minha infância
| Foto: Marco Jacobsen

Um dia o prefeito da nossa cidadezinha veio até nossa escola nos visitar. Era perto do dia sete de setembro. Quando ele parou o carro em frente da escola, sentimos um “frio na barriga” e ficamos emocionados. Ao entrar na sala de aula, levantamos como em posição de sentido, igual soldados no exército. Ele foi muito cordial, fez brincadeiras conosco, contou causos. No final no disse que nós estávamos convidados para desfilar no dia da pátria na pequena cidade. Quanto orgulho! Na semana que antecedeu o dia, nossa professora tentou nos ensinar a marchar. Em vão. Como demorou para passar aqueles dias! Um dia antes a professora convocou todos os pais para organizar nossa ida ao desfile. Meu avô tinha um caminhão Chevrolet 1951 que disponibilizou para levar todos. O motorista meu pai, Seo Adelino. As 6 horas, todos em frente à escola com seus pais. Nós com os guarda-pós limpíssimo, engomados e os “sete-vidas” impecáveis nos pés.

Partimos! Ao chegar na cidade, uma multidão perfilada nas calçadas com bandeirolas brasileiras e o alto falante, que ficava no alto pendurado em um pau de eucalipto, tocando os hinos da Independência, da Bandeira e do Brasil. A fanfarra era de escola estadual, que abriu o desfile. Logo chegou nossa vez e lá com a professora na frente e nós orgulhosos atrás. Ao passar pelo palanque, vimos as “autoridades”, vereadores, prefeito e sua bonita esposa, dona Zuleide. Fomos aplaudidos por todos. Vi meus pais nos aplaudindo e minha mãe emocionada, com os olhos rasos d’água, nos acenando.

Após o desfile, a primeira dama, nos deu um lanche, um guaraná e um beijo. Confesso que foi, na ocasião, o dia mais feliz da minha vida. Pena que não tenho as recordações, pois retrato naquela época era difícil. Já éramos muito patriotas.

Sidney Girotto é leitor da FOLHA

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