Imagem ilustrativa da imagem Dedo de Prosa | Raios na varanda
| Foto: Marco Jacobsen

Sou apaixonado por relâmpagos… e pela Lua. Não à toa, isso começou na infância, pouco antes da adolescência. E o protagonista dessa minha vida de admiração por fenômenos atmosféricos tão belos e especiais é meu pai.

É uma certeza para mim ter tido a sorte ter um pai presente e bom até hoje, algo que sei que muita gente não tem ou não teve, por diversas razões que não me cabem estender nessa história.

Morávamos em um bairro da periferia, muito longe do centro da cidade e seus prédios, e eu tinha o que podemos chamar de vida básica de uma criança nos anos 80/90, que consistia em brincar na rua, entrar em (muita!) confusão na escola, dividir o campinho de futebol, com seus gols demarcados por chinelos, e a quadra de Bets e Labirinto com os carros, escalar muros e árvores, tocar campainhas e correr, fazer e soltar pipa, mas o que mais me marcou dessa época foram os momentos que serão narrados a partir de agora.

Em noites de muitos relâmpagos e chuva forte, quando a ocasião permitia, como as situações em que a chuva não era quase horizontal a ponto de nos molhar, algumas vezes meu pai praticava um curioso ritual comigo, com minha mãe e com minha irmã (nem todas as vezes estávamos todos nós juntos, mas isso é um detalhe): deitávamos no chão de lajota da garagem e ficávamos olhando o céu carregado desenhar suas linhas branco azuladas, ofuscantes e intensas, a cada choque das nuvens.

A maior parte do tempo ficávamos conversando bobagens ou escutando ele cantar versos de Tião Carreiro e outros mestres da viola caipira. Gosto musical que herdei. Uma das mais belas músicas que ouvi do mestre foi “Encantos da natureza”, cuja letra fala sobre apreciar pequenos acontecimentos e momentos da vida. Momentos como aqueles, dos raios na nossa garagem.

Meu velho deitava no chão com os braços abertos e nós deitávamos com a cabeça sobre seus braços, às vezes sobre a barriga ou o peito, e às vezes só ao seu lado mesmo. E assim passávamos as horas chuvosas, ouvindo-o cantar e falar de como os raios eram bonitos e sobre como o trovão chegava mais tarde um pouco do que o clarão ofuscante. Sempre que um relâmpago mais intenso riscava o céu, ele dizia “Tampa o ouvido, que esse aí vai ser forte”.

Isso me encantava e despejava na minha cabecinha infantil diversas coisas, das mais simples às mais mirabolantes, como pensar sobre o que aconteceria se alguém pudesse estar no meio das nuvens no momento exato em que o céu explodisse em uma descarga de raios, ou ficar imaginando se algum relâmpago chegava a atingir um pássaro.

Hoje, não consigo lembrar se chegava a externar esses questionamentos ao meu velho, mas duvido que o fizesse, pois era uma criança com vergonha de fazer perguntas e parecer burro.

Bem, agora sei que fazer perguntas é crucial para não vivermos na estupidez. Perguntar é o oposto de ser burro. Questionar traz aprendizado. É a razão de ser da Filosofia e do saber humano. Questionar nos faz entender cada vez mais sobre todas as áreas do conhecimento, inclusive sobre raios e trovões.

Hoje, já adulto, embora o coração ainda seja de criança, faço muitas perguntas a mim mesmo e procuro entender as respostas, quando elas existem, através de muita leitura. Mas lá no passado, em minha infância, eu tratava mesmo era de aproveitar aqueles momentos, os relâmpagos, as canções de um passado ainda mais distante, as conversas fiadas, e tudo de lúdico que viesse daquele herói deitado ao meu lado na garagem.

Lembro que mencionei a Lua também, no início do texto. Bem, um dia pretendo falar sobre ela, mas hoje só quero dizer o quanto foi importante meu pai ter tempo de convívio com a família e me proporcionar pequenos prazeres hoje tão valiosos.

Que este dia seja de homenagem a todos os pais (e para as mães que são pais) que foram presentes e marcantes na vida dos filhos.

Feliz dia dos pais, Valdir, meu velho, meu herói! Obrigado pelo carinho de toda uma vida, e, como se diz hoje em dia, “tamo junto”.

L. R. Silva é escritor em Londrina. Autor do e-book “Esta é a guerra do mundo”, disponível na Amazon.

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