Carnavalesco Braguinha tem oito títulos no currículo. "É preciso pensar na qualidade de vida da população. Carnaval é cultura também" - Clique na imagem para assistir o vídeo


A poucos dias do Carnaval, em uma manhã chuvosa, Joaquim Braga, 66, senta-se confortavelmente em uma poltrona na sala de sua casa e, por mais de uma hora, conversa com a equipe da FOLHA. Fosse alguns anos atrás, a longa entrevista seria impossível, dada a correria com os últimos preparativos para o desfile das escolas de samba e os ensaios pegando fogo.

Braga é fundador do Grêmio Recreativo Escola de Samba Quilombo dos Palmares, da zona norte de Londrina, e por sete anos foi o presidente da agremiação, que assim como quase todas as escolas que escreveram seu nome na história do Carnaval local, sofreu com a falta de incentivo e de políticas públicas e acabou se desfazendo. Com oito títulos no currículo e mais de uma década depois de seu último desfile, o carnavalesco lamenta a situação atual e sonha com o renascimento do Carnaval na cidade. "As autoridades precisam pensar porque essa questão é algo muito importante. É o retorno para a população daquilo que a população paga de imposto. Não é só a questão de saúde e de educação que o município precisa pensar. Precisa pensar na qualidade de vida da população, pensar na cultura. E Carnaval é cultura também", defende.

O primeiro contato de Braga com o samba aconteceu em 1973, aos 21 anos de idade. Quatro anos antes ele havia deixado o sítio onde vivia em Ivaiporã (Vale do Ivaí) e se mudado para a zona leste de Londrina. Era na região da vila Santa Terezinha que a Acadêmicos da Vila Casoni promovia os ensaios da escola. Fascinado pela bateria, Braga pediu para fazer parte da ala dos ritmistas, ansioso para tocar surdão. Mas pela hierarquia existente, foi informado de que, inicialmente, teria de se contentar com um instrumento mais modesto.

Com a frigideira na mão, contagiado pelo compasso da percussão, Braga estreou na escola de samba, no desfile que na época acontecia na avenida Paraná, entre as ruas Minas Gerais e Hugo Cabral, no centro. Ele ainda guarda a foto do momento histórico na sua vida, publicada na primeira página de um jornal local.

Desencantamentos com o universo das escolas de samba, no entanto, o afastaram dos desfiles de rua depois de quatro anos como integrante da agremiação da vila Casoni. Naquela época eram cinco escolas ativas e Braga decidiu restringir sua participação apenas como folião. "A população de Londrina sempre gostou muito de Carnaval de rua. Não tinha estrutura, mas as pessoas iam assistir", conta. Da avenida Paraná, os desfiles foram transferidos para a rua Quintino Bocaiuva, depois para a rua Sergipe, avenida Maringá, avenida Leste-Oeste até, finalmente, chegar ao Autódromo Internacional Ayrton Senna. "Na avenida Maringá e na Leste-Oeste, o público era de 15 mil a 20 mil pessoas."

A reaproximação de Braga das escolas de samba se deu já na década seguinte. Foi no bar Zumbi, na rua Pernambuco, berço do movimento negro e reduto de outros movimentos populares atuantes na cidade, que começaram as articulações para a criação de uma escola de samba que reunisse a comunidade da zona norte. O ano era 1984 e ali nascia a Quilombo dos Palmares.

Uma das primeiras dificuldades foi conseguir a adesão da comunidade, formada em boa parte por pessoas oriundas do êxodo rural e, assim como Braga no início da década de 1970, sem nenhuma ligação com o samba. O problema foi contornado com o convite para que as travestis da cidade se juntassem à agremiação e engrossassem as alas do desfile. Convite feito, convite aceito e a escola foi a precursora na inclusão da diversidade de gênero.

Por iniciativa de Braga, houve uma aproximação com a Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira e, em 1987, Dona Zica, uma das fundadoras da agremiação carioca, aceitou o convite para ser a madrinha da Quilombo dos Palmares. Junto com a viúva de Cartola, aportou por aqui o compositor mangueirense Rodney de Figueiredo, que escreveu para a verde-e-rosa londrinense o samba-enredo de 1992, intitulado "Na Contradança da Festança, Quem Dançou, Dançou", que misturava futebol com o momento político do País e o recente escândalo provocado pela revelação do caso amoroso da então ministra da Fazenda Zélia Cardoso de Mello com o ministro da Justiça na época, Bernardo Cabral.

O carnavalesco considera aquele ano o auge da Quilombo dos Palmares. "Desfilamos com 120 pessoas na bateria. A escola tinha quase mil componentes. Foi apoteótico. Dos dez quesitos julgados, vencemos em nove. Fomos campeões sem choro nem vela. Foi nesse ano também que a escola colocou um destaque totalmente nu. Mas a tinta usada para pintar o corpo da menina não devia ser muito apropriada. Ela foi transpirando, a tinta foi saindo e quando chegou ao final do desfile, foi aquele escândalo", diverte-se.

Braga se emociona ao relembrar a trajetória da escola e sente pelo fim dos desfiles. A Quilombo dos Palmares entrou na avenida pela última vez em 2008, na noite reservada ao Grupo B. "Nós havíamos caído de grupo porque nos últimos anos a escola foi perdendo componentes. Tinha que fazer a contagem e foi melancólico porque não chegou a 220 integrantes, que era o mínimo para desfilar." Depois disso, a escola foi se desmanchando, os instrumentos foram vendidos e não sobraram sequer os esqueletos das alegorias.

Atualmente, quando pode, o carnavalesco reúne a família e viaja para o Rio de Janeiro para acompanhar os desfiles das escolas de samba do Grupo Especial. "Tenho saudade. As pessoas me chamam para reativar a escola. Digo a elas que tenho experiência para passar, mas não tenho pique para pegar à unha isso, não. Quem quer ser o que já foi, já era."

***


Ouça a seleção de sambas que a pesquisadora Juliana Barbosa fez para o Sobe o Som, novo podcast da Folha de Londrina.



CONTINUE LENDO A REPORTAGEM:
- Folia em Londrina sempre teve altos e baixos
- Programação de Carnaval nos Clubes de Londrina
- Clubes sociais tentam retomar tempos áureos
- Amor de Carnaval já dura quase 50 anos