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Política 5m de leitura

Fala de Lula sobre ação militar de Israel dá força às manifestações da extrema direita

Posicionamento do presidente provocou uma espécie de "guerra interna" no Brasil, com apoios e críticas à sua opinião sobre o conflito

ATUALIZAÇÃO
25 de fevereiro de 2024

José Marcos Lopes/ Especial para a Folha
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Imagem ilustrativa da imagem Fala de Lula sobre ação militar de Israel dá força às manifestações da extrema direita

A fala do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sobre a ação militar de Israel na Palestina serviu como combustível para a manifestação da oposição neste domingo (25) em São Paulo. Na semana em que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) teve que comparecer na Polícia Federal para depor sobre a tentativa de golpe, a maior parte das atenções estiveram voltadas para a declaração de Lula, que levou o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, a dizer que o brasileiro “cruzou a linha vermelha” e declará-lo 'persona non grata.'

Apesar da pouca reação contrária fora do país (a União Europeia, por exemplo, declarou não ter visto antissemitismo na fala de Lula), na semana passada o tema pautou a extrema direita brasileira, que adotou a versão de Netanyahu. A oposição na Câmara protocolou um pedido de impeachment com 139 assinaturas, argumentando que Lula cometeu crime de responsabilidade por um ato de hostilidade contra outra nação. A abertura do processo depende do presidente da Câmara, Artur Lira (PL-AL).

Lula criticou ação de Israel e o corte de ajuda humanitária na Faixa de Gaza no dia 18, durante visita à Etiópia. O ponto mais polêmico foi quando ele comparou as mortes de palestinos ao Holocausto, o extermínio programado de 6 milhões de judeus durante a Segunda Guerra Mundial. Lula afirmou que uma ação militar como a que vem ocorrendo “existiu quando Hitler resolveu matar os judeus”, em referência ao ditador nazista.

GUERRA INTERNA

As redes sociais foram tomadas por opositores e apoiadores de Lula logo após a declaração e a guerra prosseguiu durante a semana. O deputado federal Filipe Barros (PL-PR) afirmou que a “baixeza moral e diplomática” é a “principal commodity” do presidente. “Sua fala contra Israel e o povo judeu envergonha o Brasil em escala global, mas também é mais um forte indício dos movimentos obscuros que rondam o Itamaraty”, escreveu o parlamentar.

Presidente do PT no Paraná, o deputado estadual Arilson Chiorato disse que a fala de Lula teve o mérito de chamar a atenção para o problema. “O governo de Netanyahu não está numa posição para dar lição de moral em ninguém, pois o mundo tem visto diariamente a punição coletiva impetrada sobre o povo palestino, com destruição da infraestrutura civil, através de bombardeios a escolas e hospitais, condenando a população civil a ficar sem água, comida, remédios, sem anestesia para procedimentos médicos”.

Para a cientista política Karolina Mattos Roeder, a defesa de Israel e temas relacionados à segurança pública e a pautas morais ajudam a aglutinar a extrema direita. “Israel não é qualquer tema, é uma questão que une a extrema direita. Esse grupo não se organiza de maneira tradicional, em torno de pautas econômicas e programas objetivos, atua de forma coordenada em situações como essa”, diz a professora universitária. “A extrema direita vai continuar buscando recortes de falas controversas para inflamar e agitar o eleitorado, pois isso reafirma a sua identidade antipetista, de direita, e alimenta a sua própria existência.

IMPEACHMENT E OPORTUNISMO

Apesar de se tratar de um processo político, há a necessidade de bases jurídicas para que admissibilidade de um pedido de impeachment, diz a advogada e doutora em Direito Constitucional Melina Fachin. “Pegaram na Lei do Impeachment um fundamento bastante amplo, de cometimento de hostilidade contra nação estrangeira. Do ponto de vista jurídico estrito, talvez o conceito esteja sendo um pouco elastecido para justificar esse pedido. A meu ver, há muito mais uma questão de conveniência e oportunismo político do que propriamente de preenchimento de critérios legais”.

Para Melina Fachin, um pedido de impedimento do presidente também poderia ser apresentado caso o Brasil não tomasse nenhuma atitude em relação ao que vem ocorrendo na Palestina. “Não podemos descartar o fato de que há massivas violações aos direitos humanos (em Gaza). O Brasil é signatário de vários tratados e compromissos internacionais. Do ponto de vista da Lei do Impeachment, se o Brasil não fizesse nada para defender os direitos humanos, poderíamos achar um fundamento para pedir o impeachment. Há uma maleabilidade que funcionaria em ambos os sentidos”.

Destruição da Faixa de Gaza repercute pelo mundo, Lula se manifestou claramente sobre o conflito e os ataques levantando a polêmica

'Foi doloroso e desrespeitoso', afirma representante da comunidade judaica no PR

A fala de Lula sobre Israel foi desrespeitosa por comparar a ação militar em Gaza ao extermínio planejado e em escala industrial de judeus na Segunda Guerra Mundial, avalia Fernando Brodeschi, diretor da Federação Israelita do Paraná. A operação teve início após os ataques do Hamas, em 7 de outubro do ano passado. O Hamas foi eleito para administrar a Faixa de Gaza em 2006 e desde outubro vem mantendo reféns israelenses.

“Não foi um deslize, foi proposital. Ele (Lula) evocou o Holocausto para gerar polêmica, gerar um desconforto. Citar Hitler foi o pior que ele poderia ter feito, é o grande algoz do povo judeu”, afirma Brodeschi. “Apesar dos vários momentos de perseguição aos judeus na história, na Babilônia, no Império Romano e na Inquisição na Península Ibérica, nunca houve alguém como Hitler. Foi doloroso e desrespeitoso”.

Para Brodeschi, não se tratou de uma ação isolada de Lula. Ele avalia que, desde outubro, o Brasil vem abandonando sua tradicional posição de neutralidade. “O Brasil tem claramente abraçado um dos lados da guerra. Fez o movimento de retirada de brasileiros da Faixa de Gaza, mas não fez nenhuma ação para retirar o brasileiro que é refém do Hamas. E outros membros do Partidos do Trabalhadores vêm expressando algumas manifestações que nos deixam preocupados. A pior foi do Genoíno (José Genoíno, ex-deputado e ex-presidente do PT), quando conclamou as pessoas a boicotarem estabelecimentos comerciais de judeus”.

O diretor da Federação Israelita do Paraná diz ainda que vê uma espécie de banalização do antissemitismo e do nazismo no país. “As falas do atual presidente respaldam os extremistas pró-Hamas e algumas falas e atitudes do ex-presidente Jair Bolsonaro incentivaram os extremistas pró-nazistas. Passamos por uma banalização na última década, qualquer pessoa aponta o dedo e chama a outra de nazista”. Em 2021, Bolsonaro chegou a receber no Palácio do Planalto uma deputada alemã neta de um ministro Adolf Hitler e líder de um partido e extrema direita, o Alternativa para a Alemanha.

Fernando Brodeschi diz não ver possibilidades de Lula ou o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, voltarem atrás neste momento, o que poderá levar a um acirramento das tensões na relação entre os dois países. “Israel está com um problema grande, o que menos precisa agora é alguém a 15 mil quilômetros de distância querendo botar lenha na fogueira. Tanto Lula quanto Netanyahu estão irredutíveis nas suas posturas e infelizmente acho difícil um dos dois dar o braço a torcer”.

'Líderes mundiais vão dizer o que ele teve coragem de falar', diz presidente da Federação Palestina

A declaração do presidente Lula sobre a situação na Faixa de Gaza reflete o sentimento internacional, à exceção de Israel e dos Estados Unidos, e será referendada por outros líderes, diz o presidente da Federação Árabe Palestina do Brasil (Fepal), Ualid Rabah. Para ele, desde os ataques do Hamas, em 7 de outubro, e da resposta militar israelense, há uma tentativa de transformar a questão palestina em uma luta política interna no Brasil, o que leva a extrema direita a apoiar qualquer ação de Israel.

“A esmagadora maioria dos países sabe que Israel está cometendo um genocídio. Lula expressou o que o mundo está dizendo com outras palavras, o pronunciamento mais duro da China na Corte Internacional de Justiça reflete essa fala. Os líderes mundiais vão começar a dizer publicamente o que o Lula teve coragem de dizer. Ele abriu uma porteira”, aposta Rabah. Na quinta-feira, a China argumentou na Corte Internacional de Justiça que os palestinos têm direito a usar a violência em nome de sua autodeterminação.

Ualid Rabah julga que, em nome de disputas políticas e eleitorais, a extrema direita brasileira optou por ignorar violações aos direitos humanos. “Há uma tentativa de tornar o genocídio na Palestina em uma questão de luta política interna, colocar uns contra os outros, como se fosse um debate eleitoral. A extrema direita, e não somente desde o dia 7 de outubro, escolheu estar com o genocídio permanente que dura 76 anos na Palestina”.

As acusações de antissemitismo seguem um método, acusa o presidente da Fepal. “Israel pode estar cometendo um genocídio, mas, se aquele que acusa for acusado de antissemitismo, a acusação de genocídio perde a lógica. A Europa resolveu não aceitar isso, até porque a visão do Lula não foi essa. Pelo contrário, ele disse que foi um crime horrível a perseguição e a morte de judeus na Europa, e que agora na Palestina está acontecendo a mesma coisa”.

Para Ualid Rabah, as práticas de Israel podem ser consideradas genocidas desde a criação do estado, em 1947. “Entre 1947 e 1951, 78% do território da Palestina foi tomado para se tornar Israel pela força, 88% dos palestinos foram expulsos ou mortos. Os palestinos são 20% dos refugiados no mundo, apesar de serem 0,17% da população mundial. Em Gaza, são 365 quilômetros quadrados e temos 1,9 milhão de pessoas entre mortos e deslocados, além de 40 mil mortos, 8 mil desaparecidos sob escombros e 70 mil feridos. Israel pretende ter maioria judaica na Palestina histórica, podemos estar diante da tentativa de eliminar até 500 mil pessoas na Faixa de Gaza”.

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