O conceito de “linha de frente” tem origem nas táticas militares e nos campos de batalha. Nem sei se ainda tem validade... O fato é que na saúde também usamos esse conceito, pois volta e meia nos vemos em meio a verdadeiras guerras. Qualquer semelhança com o que vivemos hoje em dia NÃO é mera coincidência!

Imagem ilustrativa da imagem ESPAÇO ABERTO - A saúde do Paraná na linha de frente!
| Foto: Gustavo Carneiro/28/04/21

Sobre isso tenho muita “munição”, pois as sessões semanais da Frente Parlamentar Paranaense contra a COVID-19 têm reunido muitas informações, dados e propostas de todos os segmentos sociais e econômicos do estado. Mas hoje vou abordar uma outra “guerra” que aconteceu no sistema de saúde brasileiro há três décadas.

Estávamos nos anos de 1980... e eu, concluinte do curso de farmácia da UEM, a exemplo de outros estudantes e recém-formados, tinha na atuação do deputado federal Euclides Scalco, falecido recentemente, um exemplo a ser seguido. Tanto pela sua vida profissional em Francisco Beltrão como pelos seus discursos e projetos em prol de um sistema de saúde mais acessível e de melhor qualidade.

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Em 1984, quando o Scalco estava chefe de Casa Civil do Governo José Richa e o professor Luís Cordoni, da UEL, era o secretário de Estado da Saúde, foi realizada em Curitiba, nos dias 26 a 28 de agosto, uma despretensiosa “reunião de trabalho”.

A reunião, organizada por duas entidades nacionais – Associação Brasileira de Saúde Coletiva/ABRASCO e Centro Brasileiro de Estudos de Saúde/CEBES e pela Secretaria de Estado da Saúde – agregou sessenta líderes do nascente Movimento Sanitário Brasileiro. Professores, pesquisadores, profissionais e alguns poucos dirigentes e políticos. A reunião ocorreu sem alarde, porque nem todas as autoridades da época toleravam ser questionadas e vivíamos ainda em pleno regime militar.

O assunto da “reunião de trabalho” era “As Ações Integradas de Saúde”, as então pouco conhecidas AIS. Em síntese representava uma reviravolta radical no sistema de saúde da época, que era centralizado em Brasília, dicotomizado entre Ministério da Saúde e INAMPS, tendo este muito mais poder e dinheiro do que aquele, focado no curativismo, no assistencialismo e na exclusão. Isso mesmo, pois quem não tinha carteira de trabalho e nem recursos próprios só tinha a fila dos indigentes como alternativa de solução para seus males.

Ao final dos três dias, o resultado foram 10 diretrizes que passaram a nortear a atuação do Movimento Sanitário Brasileiro nos anos seguintes e que contribuíram muito para a 8ª Conferência Nacional de Saúde, em 1986 e para o Capítulo sobre a Saúde na nova Constituição Federal de 1988.

Em resumo: 1- O acesso a serviços de saúde em todos os níveis como direito inalienável do cidadão; 2- A municipalização dos serviços de saúde; 3- A organização de sistemas municipais e de sistemas estaduais de saúde; 4- A criação das Comissões Interinstitucionais de Saúde; 5- A cogestão no planejamento e na execução; 6- A hierarquização e regionalização dos serviços; 7- A defesa de uma Reforma Tributária para garantir fontes de financiamento para a saúde; 8- O respeito ao cronograma de desembolso financeiro (o INAMPS pagava quando queria); 9- A democratização dos serviços e 10- Prioridade às AIS por parte do ministério e das secretarias de Saúde.

Dos 60 participantes da reunião, 32 eram paranaenses. Todos estiveram na 8ª Conferência Nacional de Saúde, em 1986, formando a maior delegação de todos os estados. Os saudosos José Richa e Euclides Scalco, eleitos constituintes, estiveram entre os principais articuladores e defensores da saúde na nova Constituição.

Pouca gente lembra desse episódio. Está na hora de honrar a memória de quem teve a coragem de ser vanguarda em tempos mais difíceis do que os atuais. Para quem não sabe, naqueles anos, além da epidemia do autoritarismo, tínhamos a epidemia da meningite meningocócica que, durante anos, foi ocultada porque era proibido a imprensa abordar o assunto.

Daquela “linha de frente” eu fui mais um observador atento do que um militante. Estava iniciando minha vida profissional. Mas aprendi que a coragem, o respeito pelas opiniões diferentes e a solidariedade com todas as vítimas são atitudes essenciais para vencer o inimigo! Que o exemplo do passado nos seja útil para manter fortalecida a nossa “linha de frente” dos tempos atuais!

Michele Caputo, farmacêutico, ex-secretário de Saúde de Curitiba e do Paraná, deputado estadual e Coordenador da Frente Parlamentar contra o Coronavírus

A opinião que consta no artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Folha e é de responsabilidade do autor.

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