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ESPAÇO ABERTO 5m de leitura

Black is beautiful

ATUALIZAÇÃO
12 de agosto de 2020

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AUTOR

Leio no Conjur que uma juíza estadual da comarca de Curitiba, ao sentenciar um cidadão, considerou na ocasião da fixação da pena a raça do réu, estabelecendo o seguinte raciocínio: ‘sobre sua conduta social nada se sabe. Seguramente integrante de grupo criminoso, em razão de sua raça...’

Como diria meu outro neurônio, precisamos descobrir de onde vem essa gente e ir lá fechar a porta...

Noves fora seria de se indagar: o que leva uma magistrada a pensar e agir assim? Penso que anos e anos de preconceito e racismo; as vezes velado, outras nem tanto e, em algumas ocasiões explícito, como deixa evidente a sentença...

Quando a sentença leva em consideração a raça do réu enquanto motivo de fixação da pena, ela sepulta a visão bucólica do brasileiro generoso, puro de espírito e altruísta, suposto que a genealogia racial levada à cabo em um julgamento de conduta não resiste a qualquer juízo dogmático, ainda que espelhe o mal que ora se esparrama no Brasil intolerante e para maiorias financeiras de nossos dias, onde se identifica considerável parcela de cidadãos (?) que pensam exatamente igual a juíza parnanguara.

O desvalor dogmático da asseveração empregada na sentença, forte em destacar a cor da pele (raça) do sentenciado em ordem a concluir por sua ‘participação certa em grupo criminoso’ é tão aviltante que sai do lugar comum que o recepciona, reverberando na origem do preconceito criminoso em que resulta, além de banalizar o mal que espraia...

Nesta medida, a matriz racista do pensamento esgrimido para valorar a conduta do cidadão então julgado, diz mais sobre a titular da jurisdição do que do próprio jurisdicionado em polo de conflito com o julgamento então ultimado.

Além disso o pensamento, por infame que se revele, ultrapassa o mundo desesperado e fútil da juíza, potencializando o preconceito que deságua no desmerecimento do Poder judiciário feito um todo, uma vez que ela, a juíza, para poder julgar um semelhante, antes venceu longa e muito complexa etapa concursal, onde foi submetida a provas escritas, sabatinas, além de investigação sigilosa sobre a sua pessoa, tudo em ordem a demonstrar sua aptidão para julgar condutas...

Fato é que ao julgar a conduta para a qual o concurso da magistratura lhe garantia a aptidão, a juíza não conseguiu vencer o preconceito comezinho que, antes, lhe conduzira a formação do caráter, desviando-se da condição de juíza da causa e abraçando livremente a paixão preconceituosa de sua formação esquálida.

Não foi jurisdição o que ela entregou (que a jurisdição é imparcial e dogmática) e sim a medida de sua relação com o mundo, desenhada na medição da própria história. Por isso não lhe bastou condenar o réu negro: precisou destacar que a cor de sua pele constitui elemento de convicção valorável em provimento judicial, em ordem a estabelecer um vínculo entre negros e criminalidade.

Essa associação livre que a juíza parnanguara estabeleceu entre negros e criminalidade (‘grupo criminoso’), apartada de qualquer elemento sensível matriculado em estudo sobre o tema (Lombroso não foi tão longe), merece um capítulo sociológico à parte, centrado na formação do caráter da magistrada e na ausência de legitimidade do juiz que se desvia do prumo, para julgar condutas de seus alvos de preconceito e/ou interesse.

O juiz que ao julgar seu semelhante centra esforços na pessoa que julga (de qual raça é; qual a sua ideologia; a qual partido político pertence; se é homem ou mulher; para qual time torce, se é homo ou se é hétero...) e não na conduta denunciada (fulano fez isso, ciclano fez aquilo, beltrano fez outra coisa), não é juiz.

Ser juiz é merecer a toga, não apenas usá-la. Já disse isso em outras ocasiões e penso que a juíza, ao valorar a cor da pele para concluir em desfavor do cidadão réu, autoriza uma releitura do binômio jurisdição responsabilidade, na medida em que a imensa maioria dos magistrados brasileiros refletem valores humanísticos diametralmente opostos aos que a magistrada esgrime, não pactuando do entendimento que ora lhes apequena a todos...

Sim a todos, na medida em que não se pode confiar na imparcialidade do magistrado que convoca o seu preconceito para julgar.

Vai mal o judiciário. Pior ainda o parnanguara (bem salvas as grandiosas e reconhecidas exceções, conquanto há juízes extraordinários tanto em Berlin quanto no Paraná), pelo que estamos vendo e lendo dia a pós dia...

Tristes e raciais trópicos.

Seguem fazendo muita falta Tim Maia, Billie Holiday, Moraes Moreira, Aldir Blanc, Eliz Regina, Linda Lovelace, o Pastor Martin Luther King, Johnn Lennon, Meu amado Pai, Cláudio, Luizinho, Baltazar, Carbone e Mário, Charles Chaplin, além de tanta gente que bem sabia que a pele não se cria na cor, mas sim na emoção que desperta na pele alheia...

João dos Santos Gomes Filho, advogado, de Londrina. 

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