Na minha infância tinha muitos primos e primas e também muitas crianças na vizinhança, não era essa economia de hoje. Em todas as casas havia crianças de várias idades, uma escadinha, como se costumava dizer. Lá em casa eu era a última, porque minha mãe enviuvara, mas, em volta, o rebanho só crescia e bebês estavam sempre nascendo. Tínhamos uma vida mais livre, bem ingênua, em todos os sentidos, não havia muita comunicação nem informação, mas a gente cuidava de se informar, éramos inteligentes, antenados, aprendíamos uns com os outros, os pequenos com os mais velhos, na rua, nas escutas de conversas entre os adultos que, particularmente, adorávamos ouvir e eles adoravam esconder essas coisas da gente.

Imagem ilustrativa da imagem DEDO DE PROSA| Como nasciam os bebês

E a curiosidade chegou ao assunto: como as crianças nascem? Eu também queria saber. Minha referência mais próxima era a tia Ercília que, volta e meia tinha um bebê, além das vizinhas e conhecidas. Ouvi dizer, pelas primas e irmãs mais velhas que, quem trazia os bebês era a Dona Mariinha, uma senhorinha que morava um pouco mais abaixo da nossa casa, numa casa tão pequena, de madeira e coberta de palha, o entorno sempre limpo, além de um monte de árvores em volta. Ficava imaginando como é que cabiam tantos bebês naquela casinha?!! Para completar a “fake News “ diziam que vinham de avião, mas como? Caiam lá de cima? E as fantasias iam crescendo com a história das cegonhas que carregavam um neném no bico... porém, eu nunca vi uma cegonha nas redondezas!

Víamos os animais nascerem mas pensávamos que “bicho é bicho, gente é gente. ” E o mistério continuava e a curiosidade aumentava. Eu queria saber como foi que nasci. Eu e meu irmão gêmeo! Mistério esclarecido: “foi a Dona Hermínia que trouxe! Ela veio em casa trazendo uma maleta, entrou no quarto onde estava minha mãe, então eu nasci e, logo em seguida, nasceu meu irmão. Minha mãe chorou porque estava esperando um bebê só, mas depois todos ficaram contentes e logo a Vó Luiza levou meu irmão para a cozinha e deu chá para ele... “ Simples assim!

Com o tempo fui aprendendo por minha conta e por conta dos livros a história real de um nascimento e descobri que a Dona Hermínia era a parteira da cidade, tão competente, tão importante em seu papel de ajudar a trazer os bebês ao mundo. A grande maioria, acredito que quase cem por cento das crianças da cidade, nasceram com a ajuda dela. Ela era a mensageira da vida. Com sua maleta, lá ia a parteira Dona Hermínia, sempre muito amada e respeitada por todos, cumprindo seu ofício com muita competência e amor.

Hoje em dia tudo é diferente demais. Quando possível, porque muitos vem mesmo por descuido, programa-se o bebê de acordo com as possibilidades, principalmente financeiras, com quem e onde vai ficar enquanto a mãe vai trabalhar; já se pode saber antecipadamente o sexo e nas fotos em 3D, o esperado quase dá um “tchauzinho” lá da barriga onde está. Então se faz o enxoval, a revelação, o chá de bebê para ganhar as fraldas que estão caras e são todas descartáveis, contribuindo assombrosamente para a poluição do Planeta, marca o dia da cesárea, enfim, sem nenhuma fantasia. Uns acham ótimo, outros, nostálgicos, vem com o “no meu tempo” .... Por falar naquele tempo, quando uma mulher tinha o bebê se dizia que ela “adoeceu” e então ficava de “resguardo“ seus quarenta dias comendo comidas leves, como canjas de galinha, sem lavar os cabelos, recebendo visitas e presentes. E o bebê ficava lá quietinho, enroladinho em faixas, de toquinha para não pegar dor de ouvidos, diziam até que demorava para abrir os olhos!

Diante de tanta modernidade faz bem recordar a simplicidade da vida, as dificuldades que as mães passavam, a ajuda entre as mulheres no pré e no pós-parto, os remédios caseiros, os costumes que não faziam mal, apesar de nem sempre serem os corretos, porque eram os recursos dos quais se dispunha.

E, nessa lembrança, dar graças a Deus pelo dom da vida, agradecendo `aquelas que estavam ao lado das mães para que o bebê nascesse da melhor forma possível: a Dona Herminia, lá das Graças, e todas as parteiras que contribuíram para que muitos de nós viéssemos ao mundo!

Estela Maria Frederico Ferreira é leitora e assinante da FOLHA

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