Flávio e Claudinei moram há mais de dez anos, um ao lado do outro, no Condomínio Vila Pacata na região da grande Londrina. O relacionamento entre eles vinha se degradando ultimamente. De vizinhos cordiais, passaram a ter uma relação hostil, apenas trocando um bom dia ou boa tarde e de vez em quando um rápido aceno quando se avistavam.

Imagem ilustrativa da imagem DEDO DE PROSA|  A flor da romãzeira
| Foto: Marcos Jacobsen

A convivência se deteriorou tempos atrás durante um almoço entre as famílias, quando Flávio, se referindo ao vizinho, afirmou que a maioria dos advogados só pensa em ganhar dinheiro e Claudinei retrucou dizendo que os empresários são grandes sonegadores de impostos. A discussão parou nisso, nenhum deles estendeu o assunto e nem se desculpou. Mas o constrangimento permaneceu, ao contrário das esposas, que se entendem muito bem, conversam com frequência e trocam gentilezas, receitas e favores, fazendo algo parecido com o que nossos pais e avós faziam em outros tempos. Época em que os vizinhos se emprestavam panelas, ovos, café, açúcar, farinha, legumes, leite, frutas e outros gêneros alimentícios e tinham muita facilidade nos relacionamentos, conduzindo com respeito as diferenças e, com sabedoria, as dificuldades da convivência humana.

Mas eis que por um desses caprichos da natureza nasceu, por acaso, um pé de romã no terreno do Flávio, bem na divisa com o jardim da casa do Claudinei. É muito provável que a semente tenha caído naquele lugar, levada pelo vento ou por um passarinho. Ninguém soube explicar. Mas a árvore foi crescendo e quando Flávio se deu conta ela já estava com um metro de altura. Certo dia ele estava se preparando para arrancá-la, quando um morador que caminhava pelo condomínio parou para conversar e disse que aquela planta era uma romãzeira, cujo nome cientifico é Punica Granatum.

O homem contou que a romã, originária da Síria e Irã, era cultivada pelos antigos gregos, egípcios e fenícios, muito apreciada na Roma dos Césares e que havia embelezado os jardins suspensos da Babilônia. Antes de continuar seu trajeto, ainda brincou dizendo que guardar sementes de romã na carteira traz fartura e felicidade. Meggy, a filha do Flávio, estava ouvindo a conversa e achou a estória bonita, pedindo ao pai para que não cortasse a pequena árvore. Flávio concordou em manter a planta no quintal, pois percebeu que além de agradar a filha, poderia provocar confusão com o vizinho. Ele sabia que a árvore cresceria com rapidez e logo iria invadir o quintal ao lado, tornando-se num bom motivo para brigar de vez com o chato do Claudinei.

Como as casas do condomínio não tem muros na parte da frente, não demorou muito para o Claudinei perceber que o pé de romã havia crescido e os galhos já estavam avançando sobre o seu jardim. Preocupado e aborrecido, ficou acompanhando à distância o crescimento da planta. Carrancudo, passou a não cumprimentar o vizinho, aguardando a primeira oportunidade para fazer valer os seus direitos.

Advogado, já havia juntado as leis que definem que os galhos ou ramos que ultrapassem os limites do terreno podem ser podados exatamente na linha divisória e que os frutos caídos das árvores do terreno vizinho pertencem ao dono do terreno onde caíram. O texto com a reclamação ao condomínio e a ação judicial estavam prontos, mas na manhã em que pretendia mostrar e esfregar os documentos na cara do Flávio, ele foi surpreendido pela florada da romãzeira, carregada de botões e com flores em forma de sininhos numa esplêndida cor laranja-escuro.

Naquele momento, Claudinei lembrou que havia sido criado na roça, gostava da natureza e decidiu esperar mais um tempo para fazer o enfrentamento. Poucos meses depois a romãzeira estendeu seus galhos sobre os dois terrenos e logo as flores viraram graúdos e belíssimos frutos, cujas fotos Meggy rapidamente esparramou nas suas redes sociais, com tamanha intensidade e beleza, que acabou atraindo a atenção do condomínio inteiro.

Devido às várias propriedades medicinais da romã e à alta demanda nos finais de ano, a menina teve que fazer uma agenda para organizar a distribuição dos frutos, quando chega a época da colheita. Como as cascas, raízes e folhas também são muito requisitadas, Flávio e Claudinei passaram a se aproximar e fizeram as pazes, com o intuito de dar atenção aos outros vizinhos, cujos pedidos não paravam de chegar.

Reconciliados por causa do sucesso da árvore, hoje trabalham juntos na rega, poda e cuidados com a romãzeira, passando a cultivar, ao mesmo tempo, as florações da própria amizade.

GERSON ANTONIO MELATTI, LEITOR DA FOLHA

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