Imagem ilustrativa da imagem DEDO DE PROSA | Naquele Tempo...
| Foto: Marco Jacobsen

Aquele ano tinha sido muito bom para nós, no nosso sítio em Astorga. Chuvas abundantes e na hora certa, o que nos deu uma boa safra. Eram 10 alqueires de café, uma palhada onde tinha um “taião” de milho, uns pés de cana caiana, com um moinho manual para fazer garapa, pés de mandioca, abóboras e, às vezes, melancia. No fundo, o pai plantava amendoim e mamona que era vendido na cidade.

O chiqueiro de porco ficava mais abaixo, perto de um pequeno pasto. Tinha uma meia dúzias de vacas leiteiras, que além do leite, a mãe fazia os queijos e a manteiga. Como minha mãe tinha sorte para criar galinhas! O quintal fervilhava de “penosas” na hora do trato. Ah, de manhã tínhamos que tratar dos porcos com milho e mandioca, e as galinhas. No meio das “ruas” de café, era plantado arroz e o feijão. Que fartura!

Uma vez por mês debulhávamos milho e levávamos a um vizinho que tinha uma fabriqueta de fazer fubá. Ele cobrava 10% pela fabricação. Em alguns sábados, era para lidar com a matança do porco. Começava-se cedo, água fervente, tacho e aí ia o dia todo. Dali se fazia a linguiça, que era colocada em um varal em cima do fogão a lenha, derretia-se o torresmo para fazer a banha, a carne na lata, o chouriço com o sangue do pobre animal. Tudo se aproveitava. Ah, sem falar da nossa horta, que beleza que era!

Então, como as despesas eram poucas, sobrou um bom dinheiro e que deu para o pai comprar uma caminhonete Chevrolet.

Cada 15 dias, o pai ia à cidade fazer as compras, confesso que eram poucas. Os itens eram sempre os mesmos, o sal, açúcar, querosene para as lamparinas, pilhas para os faroletes e para o rádio, farinha de trigo, macarrão, entre outras coisas.

Uma vez por semana era o dia para fazer o pão, que crescia bonito com ovos e banha de porco. Uma delícia!

No final das colheitas de café, o pai e a mãe iam para a cidade comprar as peças de roupas para as camas, para ela e minha irmã Nair fazer as camisas e as calças. Comprava as alpargatas roda (aliás até hoje não sei por que esse nome) e sapatos novos. Mas eram desconfortáveis as cuecas que minha irmã fazia de sacos alvejados. Como incomodava!

Pela manhã, minha mãe já ligava o rádio nos programas caipiras, na Rádio Bandeirantes. Eu ficava imaginando como era o locutor, como devia ser São Paulo, seus prédios. Aos domingos à tarde, era dia de ouvir os jogos pela rádio Bandeirantes, imaginando como era o Fiori Gigliotti, narrador dos jogos. Como devia ser o estádio do Pacaembu? Como seria a cidade de Aparecida do Norte, em que ouvíamos as missas de lá aos domingos cedo?

Confesso que no futuro fui conhecer esses locais e, para minha surpresa, era de como imaginava, pois, tão grande eram as descrições e os detalhes que os radialistas descreviam.

Enfim, tudo passou e só resta saudades de uma época difícil, mas muito feliz.

Sidney Girotto é médico em Londrina

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