De boas histórias levamos lembranças para a vida toda. Algumas são risadas, outras, aprendizados... dessa história eu trago uma sequela incurável. Ou melhor, um apelido que abominarei até o dia da minha morte: Capitão Salame. Imagine eu, um oficial de alto escalão da Polícia Militar; inúmeros feitos em meu currículo; condecorações; medalhas; fardado e com a arma em punho, sou visto como um herói - ou o pior dos vilões. Mas nem isso - nem tudo isso - consegue me livrar do maldito Capitão Salame.

Imagem ilustrativa da imagem Dedo de Prosa | A bomba do Capitão Salame
| Foto: Marco Jacobsen

Tudo começou no que seria o dia mais glorioso da minha vida. Cidade pequena, sabe como é, o quartel se anima quando recebe uma chamada fora do comum. Passava a sexta-feira como uma outra qualquer, quando toca o telefone: havia uma bomba plantada em um ônibus, e eu era o chefe da operação.

Cheguei ao local, o automóvel já havia sido evacuado, assim como os primeiros metros de todo o seu raio. Esperando por nós estavam o motorista, primeiro a avistar a tal bomba; meia dúzia de repórteres e mais um bando de curiosos sem medo do perigo.

- Eu vi, sim. Há uma dinamite debaixo do primeiro banco. Tenho certeza. – Insistia o motorista frente às câmeras.

Por mais absurda que a situação fosse, não tínhamos tempo para nos perguntar que tipo de terrorista atacaria um ônibus urbano semicheio de senhoras às três da tarde no interior do Paraná. Cada um com seus motivos. Pois entramos eu e mais dois oficiais e não demorou para que avistássemos a dita cuja. Lá estava, sob o banco, um pacote comprido como um braço e revestido de plástico. Imóvel.

À primeira vista, não nos pareceu muito ofensivo, distante do que se vê em um treinamento do esquadrão antibomba. Começamos a duvidar do que havia no pacote. Decidimos tirá-la de lá com as mãos. Nada, nem um ruído. Violamos o plástico e finalmente enxerguei o que estava lá dentro.

No primeiro momento, só podíamos rir da situação. Era só um tubo de selante para construções. Nada de explosivo ali. Saímos sorrindo, explicamos a situação aos jornalistas, posamos para fotos ao lado da falsa bomba, e voltamos à rotina.

Porém, foi ainda na sexta que as mensagens começaram a chegar nos grupos do meu celular.

“O pacote parecia um salame”

“Acho que era um salame mesmo”

“Vocês viram o salame-bomba que plantaram no ônibus? Deu até polícia...”

E lá estava minha foto, em todas as mensagens, sorrindo ao lado do “salame”.

E apelidos ruins são os que pegam mais rápido. Capitão Salame começou na família, passou aos amigos e até no quartel sempre tem um engraçadinho para trazer a brincadeira à tona. Os anos passaram, mas o apelido não. Meus amigos não esqueceram, os sobrinhos adaptaram para Tio Salame e minha irmã prefere a versão mais “carinhosa”, Salaminho. A piada mais antiga que conheço é me presentear com um salame no amigo-secreto. E todo Natal todo mundo dá risada. Pois se eu pudesse escolher meus amigos-secretos, faria questão de comprar um par de óculos novos para aquele motorista.

*(baseado em notícia de jornal)

Lara Bridi é leitora da FOLHA

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