Imagem ilustrativa da imagem DEDO DE PROSA - A Rua Piauí, ontem e hoje
| Foto: Marco Jacobsen

Quatro quadras da Rua Piauí foram marcantes em minha vida. Na primeira, ficavam a casa paroquial dos padres palotinos e o Colégio São Paulo. Padre João e padre Alberto eram os diretores da escola, onde iniciei a minha carreira de professora. A Jandira era funcionária da casa dos padres, uma pessoa boníssima que, de vez em quando chamava a minha irmã e eu para tomarmos um cafezinho e comer alguma delícia feita por ela.

Depois que tudo fechou, ela foi trabalhar lá no Seminário Vicente Palotti, no Shangri-lá. A Idivanda estudava o cursinho, trabalhava na biblioteca e eu lecionava à noite no colégio, revezando com o Colégio Londrinense, na Rua Quintino.

Voltávamos depois das 23 horas, a pé para casa, no final da Rua Paraíba, em frente aos armazéns da família Sahão. Era a década de 70 e a Avenida Paraná não era ainda Calçadão. Os carros transitavam e, a caminho de casa, seguiam-nos oferecendo carona. Quando insistiam, parávamos em algum portão, fingíamos entrar na casa e a pessoa ia embora. Mas eu andava preparada, o bolso do meu guarda-pó vivia sujo pelas pedras que eu ali guardava para o caso de uma emergência. À noite em que ia para o Londrinense, não tinha problemas, tudo tranquilo, eu ia e voltava sozinha porque era perto de casa.

Na outra quadra, a Rua Piauí era aberta aos ônibus e aos pedestres, funcionava o antigo Terminal Urbano de Londrina nas décadas de 70 e 80. Era muito movimentada, um vai e vem de pessoas. Os ônibus tinham as linhas Hauer-Shangri-lá, Europa-Alvorada, Iara-Higienópolis, Skol-Santa Rita, etc.

Nessa época, eu também lecionava no ¨Evaristo da Veiga, na Rua Goiás, no período das 11 às 15 horas. Na volta, pegava o Hauer-Shangri-lá, que ficava no primeiro ponto à direita, em frente ao Correio.

Certo dia, chegando ao terminal, vi o ônibus no ponto. Corri e caí, espalhando todo o meu material pelo chão. Que vergonha! Eu me levantei, fui catando cada objeto e pessoas me ajudavam. Agradeci, mas não tive coragem de erguer os olhos, tal era o meu constrangimento. Quando olho no ponto, o ônibus ainda ali, funcionando... Demorou um pouco para sair; eu não sabia que naquele horário faziam a troca de motorista. Não precisava ter corrido, mas aprendi que nunca mais correria para pegar um ônibus.

Na próxima quadra, havia os edifícios da Folha de Londrina, do Bosque, o Cine Londrina e o Cine Vila Rica, o Centro Comercial e a Concha Acústica. Era o centro da cidade, muita animação, as filas para os cinemas eram grandes, davam a volta na Folha.

Depois de assistir à missa na Catedral, sempre tinha gente guardando meu lugar na fila para comprar o ingresso. Era muito legal! A Concha Acústica, palco de manifestações artísticas, religiosas, políticas, lugar de encontro de amigos para conversar, tomar sol, pais desciam para brincar com seus filhos... A última quadra ia até a Mairink Góis, onde meu pai tinha comprado nosso apartamento no recém-construído Edifício Jamile Caran, onde moramos por 33 anos. Descíamos até a Concha para brincar com os nossos sobrinhos. Muita animação, muita vida havia naquele lugar.

Hoje, num momento de nostalgia, saio daqui de casa, na Rua Mato Grosso e caminho até a Rua Piauí. Passo em frente ao prédio onde morei. Tudo gradeado, um porteiro estranho. Continuo a caminhar, paro em frente à Concha. Vem-me à lembrança o show do Moacir Franco, as apresentações do Coral da UEL onde cantei por muitos anos.

Vou andando e não vejo a banca de revistas do Zé, a Bomboniere Cereja, a Vídeo-locadora; vejo diferentes lojas no Centro Comercial. Sigo andando, não vejo mais os cinemas, a Livraria Arles, até a Folha mudou. Não tem mais aquele movimento de entra e sai de pessoas no prédio.

Chego na esquina e vejo as mudanças por que passou o terminal, a rua foi fechada, virou Zerinho, onde fazíamos caminhada e hoje está sendo revitalizada pela prefeitura. Vejo o ponto de ônibus do Hauer-Shangri-lá e me recordo da vergonha que passei ali; olho para o cantinho esquerdo, e não vejo mais o quiosque da dona Maria japonesa que fazia uma gostosa vitamina e nem a banca do seu Pedro.

Não fui até a outra quadra porque não existem mais a casa dos padres, o Colégio São Paulo, o Colégio Londrinense da Quintino. Três belas construções derrubadas em nome do "progresso".

É tardezinha, vejo pessoas apressadas indo para suas casas depois de um dia de trabalho. Logo, a Rua Piauí está vazia, silenciosa, quase sem vida.

Volto pela Concha, que virou dormitório dos moradores de rua e os vejo se ajeitando para dormir ali e nas marquises da muitas lojas que por ali existem. E a cidade parece adormecida, porém a animação, a alegria, o movimento hoje, estão nos shoppings, bem longe do centro.

Chego em casa e a minha conclusão para este passeio é que prefiro a Rua Piauí de ontem, do meu tempo de juventude.

Idimeia de Castro é leitora da FOLHA

LEIA TAMBÉM:

DEDO DE PROSA: Pescaria de pari