| |

Esporte 5m de leitura

Espanhol que enfrentou o Brasil em 1962 não esquece Garrincha e nem o árbitro

ATUALIZAÇÃO
10 de maio de 2022

BRUNO RODRIGUES
AUTOR

MADRI, ESPANHA (FOLHAPRESS) - Adelardo Rodríguez, 82, é um homem de boa memória..

Com 553 partidas pelo Atlético de Madrid, recordista na história do clube, seria normal que a essa altura da vida as lembranças se confundissem umas com as outras, que determinadas jogadas passassem a fazer parte, na sua recordação, de jogos nos quais esses lances não necessariamente aconteceram. No caso de Adelardo, esse não é o caso.

Quase cinco décadas depois de ter se aposentado, ele ainda lembra, por exemplo, o que lhe disse o argentino Ricardo Bochini durante o Mundial de Clubes de 1974 entre Atlético e Independiente. "Ei, garoto, você não me deixa em paz um segundo", recorda o ex-meio-campista espanhol, que defendeu o clube de Madri por 17 anos entre 1959 e 1976.

A lembrança do confronto pelo Mundial é positiva, afinal sua equipe conquistou o título sobre o time de Avellaneda com a vitória por 2 a 0 e Adelardo levantou a taça. Mas a memória prodigiosa guarda também algumas frustrações dos tempos de jogador.

A maior delas, talvez, com o árbitro chileno Sergio Bustamante, que anulou o que seria o seu segundo gol contra o Brasil na Copa do Mundo de 1962, no terceiro jogo da fase de grupos. A Espanha já vencia por 1 a 0, obra de Adelardo, quando o juiz apitou uma falta controversa na área brasileira para cancelar um lindo chute de voleio que foi parar no ângulo de Gylmar.

"Eu tinha pouco mais de 20 anos e foi uma alegria enorme marcar um gol. Mas nos anularam um outro, também marcado por mim, que ainda estou procurando a irregularidade", conta, com bom humor, em uma conversa com jornalistas de todo o mundo no estádio Wanda Metropolitano, a casa do clube desde 2017.

Depois de vencer o México na estreia da Copa do Mundo de 1962, por 2 a 0, a seleção brasileira viu Pelé se despedir do jogo contra a Tchecoslováquia e também do Mundial após sofrer um estiramento muscular no empate em 0 a 0 com os tchecos.

Para o último compromisso da fase de grupos, diante dos espanhóis, o Brasil ainda precisava confirmar a classificação e sem o seu principal jogador. Coube a Amarildo a difícil tarefa de substituir o Rei.

Mas as coisas não começaram boas para o escrete brasileiro. Aos 34 minutos do primeiro tempo, após uma tabela no meio de campo entre Adelardo e Puskás (que tinha jogado o Mundial de 1954 pela Hungria e se naturalizou espanhol), o meia do Atlético de Madrid, que estreava naquele 6 de junho pela Espanha, recebeu na intermediária e, de fora da área, chutou rasteiro no canto para abrir o placar.

A primeira etapa terminou com a vitória parcial da seleção espanhola por 1 a 0. O Brasil de Aymoré Moreira ainda não havia conseguido se encontrar no jogo, talvez pela ausência de Pelé, referência natural da equipe.

"A rigor, portanto, o 1 a 0 contra, na primeira fase, foi, para o Brasil, excelente resultado, pois traduziu uma superioridade numérica escassa e que poderia ser desmanchada sem grandes dificuldades, caso o quadro reagisse e ganhasse nova fisionomia tática e técnica no segundo tempo", publicou a Folha em seu relato da partida na edição do dia seguinte.

Nos 45 minutos finais, a sorte do Brasil mudou. Graças, também, à atuação do árbitro Sergio Bustamante, com dois lances capitais, um seguido do outro, que poderiam ter decidido o duelo a favor da Espanha.

Aos 14, Enrique Collar fez boa jogada individual pela direita e encarou Nilton Santos. O espanhol passou pelo lateral brasileiro, que o derrubou pouco depois da linha da grande área. Nilton Santos deu um passo para fora da área, na tentativa de ludibriar o apitador. Conseguiu. Bustamente não viu a penalidade e marcou somente falta.

Na cobrança, Bustamente voltaria a aparecer. Puskás levantou a bola no meio da área, a defesa brasileira afastou e Adelardo virou um voleio para o fundo da rede. O árbitro, contudo, marcou um empurrão do meio-campista.

O pênalti não marcado e o gol anulado ajudaram a manter o Brasil no jogo. Foi quando apareceu a figura de Amarildo, que, com dois gols, começaria a pavimentar o seu lugar na história não só como substituto de Pelé, mas como protagonista do bicampeonato mundial.

Primeiro, o atacante do Botafogo aproveitou cruzamento da esquerda de Zagallo e desviou para o gol. Já no fim da partida, após jogada individual pela direita, Garrincha cruzou na segunda trave e Amarildo, seu companheiro no Botafogo, cabeceou para definir a vitória brasileira em Viña del Mar e confirmar a vaga na próxima fase.

Para Adelardo, que disputaria mais 13 jogos com a seleção espanhola, ficou o sabor amargo da eliminação e do que poderia haver sido marcar dois gols e, quem sabe, vencer o Brasil em uma Copa do Mundo. Resultado que poderia ter mudado o curso de toda a competição.

"Eu estreei pela Espanha na Copa do Mundo do Chile e nada menos que contra o Brasil. Fiquei entusiasmado. Nessa partida, disseram-me que eu tinha que marcar o organizador da seleção brasileira, que era Zito, mas o que fazia Garrincha era uma coisa de outro mundo. Eu queria imitar o que eles faziam, mas era impossível", completa Abelardo Rodríguez, incapaz de esquecer tanto de Garrincha como do gol invalidado que ele ainda, com detalhes, busca explicar até os dias de hoje.

O jornalista viajou a convite de LaLiga

PUBLICAÇÕES RELACIONADAS