Agacho e levanto rápido, tonteio, deito no sofá para me recuperar e Branquinha enfia a cabeça em minha mão; penso ora, lá vem ela querendo carinho como sempre – mas não, não é o focinhar pedindo carinho, ela me empurra o cotovelo com o focinho e só então percebo: quer me dar força, percebeu minha tontura e quer me proteger! Afago-lhe o focinho, digo que estou bem e ela deita ao lado vigilante. Parece que os cães, com tanta sensibilidade, inteligência e afeto, são os bichos mais humanos, talvez nisso competindo com os cavalos.

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Na net, mesmo que em cenas armadas, treinados para fazer o que o “dono” ou treinador quer, os bichos de quatro patas são graças da natureza a merecer nossa admiração. Competem com as postagens que buscam ativar nossa indignação, e que transformaram as redes sociais em território de ódio e confronto. Uns e outros, os que postam bichos e os que apostam em guerra civil, ganham dinheiro com isso, “monetarizam”, mas compartilho apenas os primeiros, feliz por gratificar quem assim nos humaniza, desde que não explore os bichos em situações dolorosas ou danosas.

Nos circos, o galo dançarino era símbolo da desumanidade com os animais. Entre duas atrações no picadeiro, enquanto a bandinha tocava, o galo, com dominador cordão no pescoço, era colocado sobre uma mesinha colorida, na verdade uma chapa tão quente que ele ficava trocando de pé, “dançava”...

Quem sabe a população pet venha a superar a humana, com os direitos animais passando até a eleger deputados como já elegem vereadores, mas, como em tudo que é humano, já os excessos afloram. Chego a temer pela natureza dos cães e dos gatos, ao ver que alguns são tratados com mais capricho que gente. Como a cachorrinha de colo passeando com vestido florido e laço de fitas na cabeça, parecendo mais uma boneca. Ou o cachorro que dorme na cama de casal, no meio do casal ou do casamento. E os cachorros gordos como nunca estariam na natureza, graças a muita comida, pouco espaço e raros passeios.

Nossas gatas Lua e Lili, ao contrário, são “soltas na vida”: passam o dia dormitando em casa e à noite somem, reaparecem só de manhãzinha miando pela ração. Seu paradeiro nesses sumiços noturnos é para nós um mistério, e mais um motivo para admirar os felinos.

Depois das rações especiais e dos petiscos, suplementos e enfeitamentos, cabeleireiros e massagistas, andadores e cuidadores, psicólogos e terapeutas pet, aguardemos a pet-psicanálise, certamente em sessões conjuntas com os respectivos humanos, também chamados de “donos”.

Parece soar arrogante nos dizermos donos de bichos que convivem com a gente e aliviam, alegram e afetivam nossa vida. Mas como dizer então? Cuidantes? Amigos? Responsáveis? (Que burocrático!) Também parece inapropriado nos dizer “pai” ou “mãe” de cão ou gato e... Então lembro que eu mesmo digo a Branquinha e às gatas que o “vô” (eu) vai dar comida, vai fazer isso ou aquilo... E realmente, com netos morando noutras cidades ou país, desconfio que assim os estou substituindo. Virei avô pet.

Lili dormindo sobre o computador
Lili dormindo sobre o computador | Foto: Acervo pessoal