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Cadernos Especiais 5m de leitura

Ele viu o inferno

ATUALIZAÇÃO
31 de dezembro de 1969

Wilhan Santin<br>Reportagem Local
AUTOR

Takashi Morita, 84 anos. Ele sobreviveu à bomba atômica, porém jamais vai se esquecer das cenas de horror do dia em em que Hiroshima foi atingida. Cada momento está claro na memória do ex-soldado japonês que estava a apenas 1,3 mil metros do hipocentro da bomba. Quem estava a mil metros ou menos, morreu na hora.
O dia 6 de agosto de 1945 amanhecera bonito. O sentimento entre os soldados nipônicos era de alívio por ver o sol mais uma vez. Eles imaginavam que se fosse acontecer algum bombardeio sobre Hiroshima, seria de madrugada. ''Já é 8h, está tudo tranquilo, vamos trabalhar'', bradou Morita. A missão era construir um abrigo anti-aéreo. Até aquele dia, a cidade permanecia intacta.
De repente, a explosão. São 8h15. Tudo ficou escuro, como se fosse um fim de tarde. Calor. A farda e o boné livram o soldado de queimaduras pelo corpo, mas o pescoço e as orelhas ardem, queimam. Ele fora atingido pelas costas e arremessado por dez metros.
Ao se levantar, tudo o que vê é destruição e gente pedindo socorro. ''Soldado, ajuda. Aqui tem nenezinho de mamar'', recorda-se de um dos primeiros pedidos que ouviu. ''Eu salvei o bebê que estava debaixo de escombros, mas não dava para ajudar todo mundo. Era muita gente...'', completa Morita, com um olhar de tristeza. Ele se cala por alguns instantes.
Como se não bastasse, começa a chover. Mas é uma chuva diferente, preta, radioativa. ''Imaginamos que eram os americanos jogando óleo para nos matar''. O repórter questiona: ''o que mais o senhor viu?''. ''Eu vi o inferno'', responde. Silêncio mais uma vez.
Lá se vão quase 63 anos da explosão da bomba, porém, Morita continua intimimamente ligado àquela catástrofe. Ele é o presidente da Associação das Vítimas da Bomba Atômica, entidade que fundou há 24 anos, com sede na capital paulista.
O ex-soldado resolveu migrar para o Brasil quando tinha 32 anos. Ele achava que Deus havia parado de olhar para o Japão. Ele não conseguia entender o porquê de outra bomba ter sido lançada sobre Nagasaki três dias depois de Hiroshima ser destruída. A cidade ainda seria atingida por dois tufões pouco tempo depois da bomba. Não dava mais para ficar ali. No período pós-guerra - entre 1952 e 1959 -, 30.610 japoneses migraram para o Brasil.

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