Tomar a decisão de deixar o país natal e migrar para o desconhecido não é tarefa fácil, mesmo com as dificuldades, ninguém quer dar às costas para as origens, para toda uma vida e, muitas vezes, para a família. Guerra, medo, insegurança, fome e esperança de uma vida melhor tiraram centenas de pessoas de seus países, que tomaram como destino a cidade de Londrina. De acordo com dados do programa de Atendimento e Acompanhamento aos Migrantes, Refugiados e Apátridas, que é uma parceria entre a Cáritas Arquidiocesana e a Secretaria Municipal de Assistência Social de Londrina, a cidade tem 1.830 migrantes de 46 nacionalidades.

Taís Gaio Patón, coordenadora de gestão do Programa de Migração e Refúgio, explica que, em Londrina, a Cáritas trabalha com migrantes há cerca de 12 anos. Em 2021, foi lançado o Programa de Acolhimento e Acompanhamento aos Migrantes, Refugiados e Apátridas, que ampliou e facilitou os serviços oferecidos para os migrantes. Hoje, o programa atende 1.830 pessoas vindas de mais de 46 países, principalmente da Venezuela, Colômbia, Haiti, Angola, Argentina e Afeganistão.

Ela explica que o Programa de Atendimento e Acompanhamento aos Migrantes, Refugiados e Apátridas fornece e auxilia na regulamentação migratória e ao acesso à documentação civil, na articulação com a rede de serviços assistenciais, permitindo com que os migrantes tenham acesso aos direitos básicos, assim como trabalha em conjunto com o CRAS (Centro de Referência em Assistência Social) e o CREAS (Centro de Referência Especializada em Assistência Social) para fornecer apoio e acompanhamento familiar aos migrantes.

CONFLITOS E GUERRAS

Segundo a coordenadora, muitos migrantes chegam em Londrina fugindo de conflitos e guerras nos países de origem, como no caso dos afegãos e ucranianos; já outros vêm em busca de melhores condições de vida, como os venezuelanos, já que o país vizinho enfrenta uma duradoura crise econômica. “[A migração] dos colombianos também é mais por essa questão econômica, assim como muitos brasileiros migram, por exemplo, para os Estados Unidos ou Europa em busca de melhoria de renda. Os haitianos, devido ao terremoto em 2010, começaram a migrar e o Brasil era um país de preferência por estar na América Latina e por ter essa facilidade na regularização documental”, explica.

De acordo com dados da IRSAS (Informatização da Rede de Serviços Socioassistenciais) da Secretaria de Assistência Social de Londrina, a maior parte dos migrantes que vivem na cidade está desempregada ou não trabalha. Segundo Patón, as barreiras culturais e linguísticas ainda são os principais obstáculos enfrentados pelos migrantes. Além disso, ela pontua que muitos afegãos que vêm para Londrina têm formação superior e costumavam ter altos cargos no país de origem, mas que como o processo de revalidação do diploma é burocrático e caro, eles acabam tendo que deixar de lado a formação acadêmica.

“Tem a questão do preconceito, da discriminação e da falta de conhecimento em relação à contratação do migrante. Muitas empresas acham que é burocrático contratar migrantes, mas é o mesmo procedimento [de contratação de um brasileiro] se ele tiver o CPF [Cadastro de Pessoa Física], o RNM [Registro Nacional Migratório] e a Carteira de Trabalho ele pode trabalhar assim como qualquer outro brasileiro”, pontua, acrescentando que os migrantes que vivem no Brasil têm a garantia de todos os direitos, exceto o de votar nas eleições.

INCENTIVO À CONTRATAÇÃO

Como forma de conscientizar e sensibilizar as empresas, Patón conta que foi realizada uma ação neste ano, em parceria com a Secretaria do Trabalho, para incentivar a contratação de migrantes. “Quando você vai contratar uma pessoa, até mesmo brasileira, você tem que ter uma pessoa à disposição para ensinar ela, então tem que ter essa boa vontade, porque o migrante consegue trabalhar como qualquer outro brasileiro, então parte da empresa ter essa boa vontade”, afirma. Segundo ela, um dos objetivos para 2024 é expandir a ação para outras empresas.

Taís Gaio Patón reforça que o projeto do ensino de português para os migrantes foi retomado em agosto deste ano após ser suspenso durante a pandemia. Segundo ela, são cinco turmas no momento, sendo duas na Catedral de Londrina para iniciantes e outras três na Escola Ruth Lemos, na zona norte, com níveis para iniciantes e intermediários. O projeto tem vínculo com a UEL (Universidade Estadual de Londrina), que fornece a certificação, auxiliando no processo de naturalização desse migrante. “As aulas são ministradas por professores voluntários e por pessoas que não têm formação na área, mas que se sensibilizam com a causa e que têm certa habilidade com a língua portuguesa”, explica, detalhando que as aulas acontecem aos sábados, das 15h às 17h.

No início, a coordenadora conta que os migrantes afirmam que o desejo é de retornar para o país de origem, tanto é que muitos afegãos, por exemplo, nem vendem a casa no país já pensando na volta. Além disso, segundo ela, muitos usam o Brasil como uma ponte para seguirem até os Estados Unidos. Já em relação aos venezuelanos, ela conta que a percepção é de que a maioria vem para ficar. “Aqui em Londrina, quando eles estão empregados, eles não desejam sair daqui. Eles falam que gostam da cidade, falam que a política de assistência social é muito boa e dos atendimentos que eles recebem. Se eles estão estabilizados, eles acabam querendo ficar aqui”, relata.

Patón conta que é notório um aumento no número de imigrantes que desembarcaram em Londrina nos últimos anos, ainda mais depois da pandemia, principalmente de venezuelanos. No Residencial Flores do Campo, que é uma ocupação irregular na zona norte de Londrina, a coordenadora aponta que vivem ali mais de 300 famílias vindas da Venezuela e que a cada semana novas pessoas chegam. Em relação à idade, a maioria dos migrantes tem entre 18 e 30 anos.

REDE DE APOIO

“O migrante já está em situação de vulnerabilidade só pelo fato de ser um migrante. Imagina sair do seu país e ir para outro sozinho, sem falar o idioma, sem saber como funciona o sistema de saúde, de educação, de assistência social, como procurar um emprego, eles não tem uma rede de apoio ou uma família para trazer estabilidade”, pontua, reforçando a importância do programa municipal.

O padre Alexandre Alves Filho, presidente da Cáritas Arquidiocesa de Londrina, ressalta que ainda existe um certo caráter xenofóbico, principalmente relacionado ao trabalho, em que muitas pessoas dizem que os migrantes “vão roubar os empregos. “Eles estão procurando emprego como qualquer brasileiro”, ressalta. Segundo ele, por ser ligado à igreja, o Cáritas carrega a força do Evangelho e que, não é fazer caridade por fazer, mas sim porque Jesus mandou que as pessoas fizessem caridade. “Esse é o nosso norte, o nosso referencial”, afirma.

Destino: Londrina

Ivan Ostashchuk, 43, saiu de Kiev, capital da Ucrânia, em agosto deste ano tendo como destino a cidade de Londrina. Ele explica que deixou o país por conta da guerra iniciada pela Rússia contra “o pacífico povo ucraniano”. Segundo ele, quando ia dormir, o sentimento era de não saber se acordaria de novo, já que muitos moradores da cidade morreram enquanto dormiam.

O professor ucraniano Ivan Ostashchuk: "Londrina é a minha verdadeira casa agora”
O professor ucraniano Ivan Ostashchuk: "Londrina é a minha verdadeira casa agora” | Foto: Roberto Custodio

Com horror, ele relembra os bombardeios russos desde o primeiro dia do conflito, em 24 de fevereiro de 2022. “Jamais esquecerei esta manhã terrível. Lembro-me de cada minuto do dia inteiro. E tudo começou às 5h da manhã com explosões terríveis. Já estou acostumado com o som terrível de foguetes e explosões”, relata.

Ostashchuk conta que veio para Londrina como membro do Programa Paranaense de Acolhida à Cientistas Ucranianos, sendo bolsista da Fundação Araucária, e foi aceito pela UEL. No país de origem, ele era professor universitário de estudos religiosos e, agora, está como professor visitante do Departamento de Filosofia da UEL, sendo responsável por ministrar o curso de Simbolismo Judicial no próximo semestre. Ele conta que publicou o livro sobre o tema junto ao também professor e colega Oleksiy Kravchuk e que pretende acrescentar materiais sobre o simbolismo judicial no Brasil na segunda edição do livro.

COMIDA BRASILEIRA

Graças a amigos e colegas, ele conta que a adaptação em Londrina foi boa, mas o que ele sentiu de mais diferente foi o clima tropical. Em relação ao que ele mais gosta aqui, ele é direto e diz que é a natureza, os londrinenses e a comida brasileira, como o pão de queijo, a coxinha, o churrasco e o açaí. “Para mim, os londrinenses são amigáveis, hospitaleiros e abertos. Londrina é a minha verdadeira casa agora”, afirma.

Apesar de considerar Londrina como sua casa, ele conta que lê as notícias sobre o país natal todos os dias, já que a irmã ainda mora na Ucrânia com a família e amigos. “A guerra é um grande mal contra Deus, o homem, a cultura e a natureza. Todos deveriam compreender isto e fazer todo o possível pela paz. A Ucrânia está muito longe do Brasil, mas o nosso mundo é pequeno, a guerra afeta a todos”, afirma, complementando que espera voltar para a Ucrânia.

POVO ACOLHEDOR

Vindo do Haiti, Nelson Jeudy, 35, relembra que chegou em Londrina, junto do primo, em maio de 2016 em busca de melhores condições de vida. A cidade foi escolhida pelo fato de que o irmão estudava teologia na PUC (Pontifícia Universidade Católica). Cursando administração na época, ele trancou a faculdade e decidiu sair, já que a vida no país estava muito difícil após o terremoto, que devastou o país em 2010.

O haitiano Nelson Jeudy chegou ao Brasil em 2016 e hoje trabalha na Cáritas, auxiliando os estrangeiros que acabaram de chegar
O haitiano Nelson Jeudy chegou ao Brasil em 2016 e hoje trabalha na Cáritas, auxiliando os estrangeiros que acabaram de chegar | Foto: Roberto Custodio

“Ele [irmão] falava que era bom eu vir para cá para estudar que a vida ia ser um pouco melhor”, relata, acrescentando que isso o motivou a fazer as malas e vir para Londrina. Em 2019, ele se matriculou no curso de ciências contábeis na Unicesumar, concluindo a graduação neste ano.

Falando muito bem o português, ele disse que estudou através dos dicionários e de vídeos no Youtube: “mas foi muito difícil”. A fluência também veio através do emprego, já que dois meses após a chegada na cidade, ele já conseguiu um trabalho em um mercado como operador de caixa. Hoje, ele trabalha na Cáritas auxiliando os estrangeiros que acabaram de chegar no Brasil e que não sabem falar a língua e precisam emitir toda a documentação de residência. Sobre o trabalho que exerce agora, ele conta que é fundamental ajudar outras pessoas que estão passando pela mesma situação que ele enfrentou no início.

FAMÍLIA

Alguns amigos já convidaram Jeudy para ir morar em Santa Catarina, mas ele admite que quer ficar em Londrina com a esposa, que também veio do Haiti em fevereiro do ano passado. O contador afirma que tem vontade de voltar para o país de origem para visitar a família, mas que a situação lá ainda é difícil.

Sobre o que mais gosta em Londrina, ele ressalta que a cidade é tranquila e bonita e que gosta de ir com a esposa para o shopping, cinema e restaurante. Jeudy também pontua que tem vontade de que seu futuro filho nasça e cresça na cidade. “Aqui em Londrina tem escola de qualidade”, opina, acrescentando que a cidade agora é a casa da sua família. “O povo de Londrina é acolhedor”, finaliza.

QUALIDADE DE VIDA

Desde maio em Londrina, a venezuelana Leidimar de Los Angeles Caldozo Medina, 36, relata a situação difícil que o país latino enfrenta. “Está muito ruim, não há oportunidade de emprego, eles são muito mal remunerados, há muita insegurança, A educação dos nossos filhos deteriorou-se. Não temos um bom atendimento nos centros de saúde”, relata.

Leidimar Medina e as filhas: dificuldades em aprender o português: "tudo é muito diferente do meu país, mas muito melhor”
Leidimar Medina e as filhas: dificuldades em aprender o português: "tudo é muito diferente do meu país, mas muito melhor” | Foto: Roberto Custodio

Ela explica que já tinha família em Londrina e, por isso, decidiu deixar o país para trás e vir junto com as filhas em busca de qualidade de vida, de boa alimentação, saúde e educação e de estabilidade no emprego. “Adaptei-me muito rapidamente [em Londrina], mas tudo é muito diferente do meu país, mas muito melhor”, afirma.

Apesar da proximidade com o espanhol, ela conta que tem sido difícil aprender o português, mas que aos poucos está evoluindo. “Londrina é uma cidade muito tranquila, muito bonita, com pessoas incríveis, me sinto segura. No pouco tempo que tenho, me deu muitas oportunidades”, destaca. Entretanto, ela admite o desejo que a Venezuela saia dessa situação de crise para que ela possa um dia retornar, já que a mãe e os irmãos ainda estão lá.