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Avenida Paraná 5m de leitura

O alpinista de Atibaia

ATUALIZAÇÃO
20 de julho de 2017

por Paulo Briguet
AUTOR

Nunca pensei em fugir para as montanhas, mas eis que estou aqui, ao pé de uma montanha em Atibaia. Entre um capítulo e outro do livro que escrevo, observo a montanha que vai mudando de cores e sombras conforme a hora do dia. Sinto saudade de minha mulher e meu filho; sinto saudades de meu pai e minha mãe, que tantas vezes estiveram aqui comigo; sinto saudades de Londrina, onde deixei meu coração.

Dizem que existe uma trilha que conduz ao alto da Pedra Branca, essa imensa formação rochosa a quem dou bom-dia todas as manhãs. Não pretendo subir até o cume da montanha; o tipo de alpinismo que pratico é bem diferente. Não é o alpinismo esportivo, nem o social, nem o político. Trata-se do difícil alpinismo das palavras e do espírito. Um alpinismo praticado sem cordas, sem picaretas, sem cintos de segurança. Subo até o alto, porque meu dever é subir; se anoitece, tenho que seguir tateando. Não disponho de guia, nem de bússola. Tenho apenas as mãos nuas e um Rosário. Meu consolo é saber que, se cair, cairei nas mãos do Pai.

Nas Escrituras, a montanha é o lugar em que se manifesta a glória de Deus. A montanha foi o lugar escolhido para o sacrifício de Isaac, que no último momento não se consumou. Além de Abraão, Moisés e Elias também subiram à montanha para conversar com Deus. E foi do cimo de um monte que Jesus anunciou as bem-aventuranças.



Quando quer trazer ao mundo a mensagem do Filho, Nossa Senhora tem uma especial predileção pelas montanhas. Em 1846, ela falou a duas crianças em La Salette, alta região no Sul da França. Nessa ocasião, a Virgem apareceu chorando de tristeza pelos pecados dos homens, inclusive os pecados dentro da própria Igreja. Em 1917, há um século, ela apareceu aos três pastorzinhos portugueses — Lúcia, Francisco e Jacinta — em Fátima, que fica no meio das montanhas da Serra do Aire. E foi de uma montanha de Israel — o Monte Carmelo, onde Elias desmascarou os sacerdotes de Baal — que se originou a Ordem Carmelita, bem como a tradicionalíssima devoção a Nossa Senhora do Carmo.

Observo a Pedra Branca, enquanto a luz do Sol rapidamente começa a ser substituída pela treva noturna, e me lembro dos versos do meu amado T. S. Eliot em sua peça "A Rocha":

O mundo gira e o mundo muda,
Mas uma coisa não muda.
Em todos os meus anos, uma coisa não muda.
Ainda que vocês a disfarcem, esta coisa não muda:
A perpétua luta entre o Bem e o Mal.

Cada um de nós tem a sua montanha particular. E cada um tem, como Sísifo, a sua rocha para carregar diariamente até o cume da montanha. Sim, é verdade que ao final do dia a rocha voltará a rolar montanha abaixo, mas isso não nos deve fazer desistir. É preciso aceitar mesmo o que parece absurdo. A cada subida, nosso coração se torna mais forte, nosso entendimento fica mais límpido, nossa alma ganha em confiança e firmeza. E um dia contaremos nossa história ao Senhor de todos os rochedos. Aquele que move as montanhas e as transforma em infinito.

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